Recentemente, a palavra não adquiriu um estatuto omnipresente na língua portuguesa, tendo atingido, com alguma probabilidade, um lugar cimeiro entre as palavras mais ditas e mais escritas.
Esta afirmação de rejeição veemente ganhou nova dinâmica no Brasil e levou o não ao mundo inteiro na forma compósita #Elenão.
Tradicionalmente, não é um advérbio de negação utilizado para responder negativamente, para recusar um pedido ou, então, para negar um elemento da frase1. Não tem a capacidade de atribuir polaridade negativa a uma frase positiva, incidindo sobre o verbo ou sobre a oração. Deste modo, uma atividade, um evento ou um estado são convertidos em inexistências por ação do advérbio. O que é ou poderia ser deixa de o ser, magia que não parece ter correspondente na realidade:
(1) Ele vence as eleições.
(2) Ele não vence as eleições.
O advérbio não pode também ter o seu escopo sobre itens lexicais, negando-os. Estes podem pertencer à classe dos nomes (3) ou dos adjetivos (4):
(3) Escolha não a insegurança mas a estabilidade.
(4) Esse candidato é popular mas não confiável.
Não é ainda elemento integrante de muitas expressões, formando palavras compostas que associam a negação a itens lexicais que não expressam, quando sozinhos, valores negativos, mostrando que, como na vida, tudo pode ser negado:
(5) não-agressão, não-alinhado, não-presta…
O advérbio não, na frase, coloca-se, habitualmente, à esquerda do elemento que se nega:
(6) Ele não vai conseguir.
(7) As notícias são não verdadeiras mas falsas.
É este comportamento sintático do não que nos alerta para a inovação das recentes formulações. Na expressão #Elenão, não surge à direita do item lexical (e não à esquerda), mas ainda assim mantém a sua capacidade de negar, ou melhor, de rejeitar.
Na verdade, #Elenão é muito mais do que uma simples (?) negação do pronome ele porque traz dentro de si uma pluralidade de negações: “não mais”, “não perturbe”, “não volte”, “não aqui”, “não connosco”…
#Elenão, mais do que uma inovação lexical, sintática ou semântica, é uma intromissão do social na língua, pedindo ajuda para a verbalização de um grito urgente. Esta, com o seu poder e força, devolve à sociedade uma expressão que aponta o caminho do não, onde se (re)aprende a dizer não. É preciso que a sociedade interprete a resposta para que a magia do “deixar de ser” ou do “já não será mais” possa acontecer.
E é também por esta capacidade de promover envolvimento e consciência que a língua nos espanta todos os dias e é esta mesma língua que nos diz «No próximo domingo, vai, vai com as aves e leva miosótis2.»
1. cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Academia das Ciências de Lisboa e Fundação Calouste Gulbenkian. Editorial Verbo, 2001.
2. Planta herbácea de pequenas flores azuis, também conhecida como não-te-esqueças.
Para aprofundar os estudos relacionados com a negação, consulte-se:
Raposo et al. (orgs.), Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, sbt., pp. 461-498.
Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa. Caminho, sbt. pp. 767-793.