Na SIC Notícias, passou o documentário intitulado Dividocracia. Esta palavra, um neologismo entrado por via do inglês debtocracy, não está dicionarizada, mas já tem algum lastro de uso, como se constata pelas 40 600 ocorrências da palavra em português reportadas pelo Google. Curiosamente, ou talvez não, também não a encontrei nos dicionários ingleses que consultei. Significa qualquer coisa como: governo, sobretudo de um Estado, em que o pagamento da dívida assume um papel central. Surge, de certa maneira, como uma involução da própria democracia, em que o povo deixou de estar no centro das preocupações do governo, cedendo lugar à dívida soberana. E vem juntar-se a um numeroso conjunto de palavras, a grande maioria com alguma carga pejorativa, em que o elemento de composição -cracia (do grego krátos, -eos, -ous, + o sufixo -ia), significando governo, poder, força ou autoridade, está presente, como são, por exemplo: democracia, talassocracia, aristocracia, gerontocracia, burocracia, tecnocracia, sociocracia, meritocracia, plutocracia, oligocracia, teocracia, cleptocracia*. Pode bem ser um termo conjuntural, que tenha aparecido para ilustrar a actual realidade político-económica da Europa, em particular dos países periféricos, e desapareça quando terminar a crise das dívidas soberanas. Mas atendendo a que sempre existiu dívida pública, ou seja, que os Estados sempre se financiaram com recurso a empréstimos, não é descabido pensar que o termo se possa sedimentar e permanecer para além dela, e até mesmo estender-se à microeconomia, para ilustrar a realidade de empresas endividadas ou mesmo de famílias.
* N.E. (09/12/2016) – Da mesma família e de mais recente data é o neologismo abstenciocracia, ilustrativo da crescente importância da abstenção eleitoral em variados países e situações políticas – como foram os casos das eleições presidenciais nos EUA, que deram a vitória a Donald Trump, e dos referendos na Hungria, na Colômbia (neste país, para os acordos de paz com as FARC), ou no Reino Unido, sobre o chamado brexit –, o qual, no âmbito da língua espanhola, justificou, inclusive, uma oportuna recomendação da Fundação para o Espanhol Urgente (Fundéu), aqui.