Agrada-me sempre ser surpreendido pela língua viva falada ou escrita. Foi o que aconteceu ao ler o artigo de Pedro Falcão, Vamos "greciarizar" Portugal?, publicado no Diário de Notícias, de 4 de Abril de 2011. A razão da surpresa é aquele verbo, "greciarizar", desde logo colocado entre aspas pelo seu autor. Assim que li o título, percebi-lhe o sentido. Basta, aliás, estar atento à actualidade para o entender. "Greciarizar" significa para quem o cunhou, e para nós que o lemos, e vou ensaiar aqui a definição dicionarística:
acto de tornar, sobretudo um país ou Estado, semelhante à Grécia, em matéria de finanças públicas;
ou, de forma mais desenvolvida:
tornar, sobretudo um país ou Estado, semelhante à Grécia, em matéria de finanças públicas, a qual, no contexto da crise financeira internacional que gerou uma crise da dívida soberana afectando diversos Estados europeus, se viu obrigada, em 2010, a solicitar um pedido de ajuda ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira.
No artigo, o autor vai discorrendo sobre a crise da dívida soberana portuguesa, comparando-a com a crise grega, terminando com uma mensagem de esperança, em que utiliza novamente o novel verbo: «Estou confiante de que, todos juntos, não vamos deixar "greciarizar" Portugal...»
Embora se possa contestar, desde logo, a formação da palavra — seria mais lógico e adequado que a opção fosse grecizar (grec- + -izar), e não "greciarizar" — e não me pareça sequer que a palavra tenha condições para permanecer — mesmo na modalidade de grecizar — para além deste período histórico específico, por ser criada a partir do nome de um país com uma longa história e que irá certamente ultrapassar a conjuntura que levou à criação do vocábulo, é sempre com gosto e algum deleite que assisto à reinvenção diária da língua que falamos, mesmo que com palavras de contestável matriz e de duração efémera como esta.