A constituição da linguística como ciência assentou na oposição sistema-uso, fomalização-empiria. A linguística, pelo menos nos seus primórdios, estuda o sistema, empreende na formalização. E da formalização, apuramento de regras descritivas, até à imposição de regras, normativas, vai um passo pequeno. Nem sempre justo, porém:
«Há sempre um desajuste entre as definições que a gramática tradicional dá de uma forma e os empregos reais dessa forma (...)» (Gustave Guillaume, 1929, Temps et Verbe).
«Não é verdade que o dito anacoluto não tem função sintática. Ele apenas não tem uma das funções sintáticas que estão na lista das gramáticas que Ubaldo lê (...)» (Sírio Possenti, 2010, «Crença rígida nas gramáticas espanta»).
Então, como agora.
Antes de regulamentar um fenómeno de língua, há que descrevê-lo e compreendê-lo, sob pena de a regra a ditar abrir um leque variado de contradições. O trabalho Apagamento, Semivocalização e Ditongação na Fala de Repórteres e Apresentadores é um exemplo de um estudo de campo, que poderá constituir-se como a antecâmara para uma normalização de usos em produtos audiovisuais.
Outro exemplo salutar é a promoção de ciclos de estudos que prevêem a ocorrência, por períodos latos, de conferências dinamizadas por especialistas de uma dada área da linguística. É o caso do ciclo de estudos promovido pelo Departamento de Comunicação e Artes da ECA-USP, Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo.
Sem plano de financiamento, mas com «forte impulso político», o projecto de criação de um canal de televisão de emissão internacional em língua portuguesa, com a chancela dos governos de Portugal e do Brasil, foi objecto de anúncio pelo ministro português Jorge Lacão. A ambição maior é integrar os demais países da CPLP.
Cf. Seixas da Costa diz que CPLP não funciona e que Brasil não se empenha na organização
Para o Brasil, saiu o Novo Corrector com Reforma Ortográfica Aurélio, que, para além da revisão ortográfica, traz todas as demais funcionalidades de um dicionário electrónico.
A VIII Cimeira da CPLP, em Angola, termina com mais um punhado de declarações, de que se destaca a que constata que a promoção da língua portuguesa é fundamental para consolidar a projecção da CPLP. Deste modo, já não é apenas a CPLP a promover a língua, mas a língua a promover a CPLP.
No entanto, interessaria, sobretudo, saber que fundos, que acções, que agentes e que estratégias de regulação de resultados vão ser activados nesse plano conjunto de promoção da língua.
O meio editorial e os media de língua portuguesa não têm explorado como deviam o potencial da Internet para divulgar o português — foi esta a constatação que saiu do congresso da Associação Internacional para a Investigação em Média e Comunicação, que está a decorrer na Universidade do Minho, em Braga.
Imodéstia, em parte: o Ciberdúvidas cumpre esse desígnio desde 1997.
Carlos Reis, em declarações à Lusa, fez a constatação: falta «vontade política bem determinada», para a língua portuguesa aumentar, como é devido, a sua presença no mundo. Uma vontade política deve ser, então, um querer desenfreado e não um desejo onírico.
Carlos Reis não usou este exemplo, mas podia ter usado: o Plano de Acção para a Promoção, Difusão e Projecção da Língua Portuguesa, que foi discutido na I Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Global, em Brasília, vai ser posto em discussão na VIII Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, em Luanda, no 23.
A Vodafone Portugal inicia hoje a disponibilização de um conjunto de 32 clássicos da literatura portuguesa em formato de livro electrónico para serem lidos no telemóvel. Esta iniciativa, lançada em conjunto com a editora portuguesa Atlântico Press e com a plataforma de livros digitais Mobcast, permite o acesso no telemóvel a títulos de grandes autores portugueses, como Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Bocage, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Fernando Pessoa e Gil Vicente.
Tem sido um dos tópicos de insistência do presidente da República de Portugal: elevar o português como língua oficial da ONU. Neste congresso da CPLP, em Angola, novamente foi lançado o repto.
A pergunta é inevitável: porque é que já não o é?
Porque falta uma acção efectiva que torne o português como língua de ensino, de edição livreira, e de produtos audiovisuais, em vários países do mundo. Para tal faltam fundos e uma actuação plural concertada e competente.
Mesmo depois de uma fatia significativa da imprensa já estar a aplicar o Acordo Ortográfico, e já depois de se dar como certo que a nova ortografia vai entrar no sistema de ensino em 2011, há, ainda em Portugal, uma resistência feroz às alterações ortográficas residuais preconizadas pelo texto da reforma ortográfica. A ILC (Iniciativa Legislativa de Cidadãos) pugna ainda pela revogação da resolução que estipula a entrada em vigor do Acordo.
Mas há mais: no Facebook contam-se, neste momento, 40 grupos contra o Acordo — com designações que dariam estudos bem interessantes em pragmática linguística: há os assertivos («Pessoas que não se entendem com a hifenização do novo acordo ortográfico»), os justificativos («Se cumpro o acordo ortográfico é porque me enganei...»), os incitativos «(BOICOTE À IMPRENSA QUE ADOPTA O ACORDO ORTOGRÁFICO!»), os expressivos («Que se lixe o Acordo Ortográfico!»), os compromissivos («Nunca hei-de escrever conforme o acordo ortográfico»), etc.
Não há dúvida de que Evanildo Bechara tinha razão: o Acordo é para as gerações futuras.
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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