Permita-me que a cumprimente, prezada consulente, pela minúcia com que tem vindo a dedicar-se à nova terminologia. Se outro mérito não tiver este nosso diálogo, gostaria que, ao menos, ajudasse a desmistificar o problema da terminologia, que, afinal, está a facilitar a colocação de situações que não são, nem nunca foram, consensuais entre gramáticos, nem entre estudiosos da língua em geral.
A coordenação, na sua simplicidade aparente, é disso exemplo claro. Se virmos o que diz um dos primeiros e maiores estudiosos de sintaxe da língua portuguesa, Epiphanio da Silva Dias, na Grammatica Portuguesa Elementar, «Aprovada pela Junta Consultiva de Instrução Pública», e publicada em 12.ª edição, revista, em 1905, pela Livraria Escolar de Ferreira Machado, Lisboa, encontramos o seguinte:
«A coordenação syndética é feita pelas conjuncções:
1) copulativas, que exprimem simplesmente enumeração (com ou sem gradação): e, nem.
2) Disjunctivas, que exprimindo enumeração, apresentão as cousas separadas e excluindo-se em algum sentido: ou […]
3) Adversativas, que exprimem contraposição ou opposição: mas.
Conseguintemente as orações coordenadas são: ou copulativas, ou disjunctivas, ou adversativas» p. 119
Como podemos verificar, Epifânio era, em 1905, bem mais progressista do que a nova terminologia de 2004 (com mais justiça: de 2002…). O avanço científico no âmbito do estudo da língua tem vindo a dar razão ao grande estudioso. Conhecem-se hoje características que um dado vocábulo deve possuir para ser considerado uma conjunção, e é com base nesse conhecimento que se distingue entre conjunções e conectores. Para dar um exemplo, no caso das adversativas, existe apenas uma palavra considerada como conjunção: mas. As outras que também estão associadas à coordenação adversativa são conectores, os quais estabelecem o mesmo tipo de relação que estabelece mas, mas não têm as mesmas características. Foco apenas uma dessas características, a título de exemplo: A conjunção deve iniciar, de forma absoluta, a frase que introduz:
(1) Chovia; mas fui à rua. (conjunção)
(2) Chovia; fui, porém, à rua. [conector]
Ora, como na terminologia, por lapso, certamente, não vêm contempladas as frases coordenadas na sua diversidade, embora o facto de não se considerar a existência de conjunções coordenativas explicativas nos permita concluir que as frases classificadas tradicionalmente como explicativas se inserem no âmbito da subordinação causal, como muitos defendem. Mais inovadora do que a terminologia, mas consentânea com Epifânio, é a posição adoptada por Evanildo Bechara na 37.ª edição da sua Moderna Gramática Portuguesa, 2001, pp. 477-478, ao assumir, numa gramática por todos – e pelo próprio autor – considerada tradicional, que há só três tipos de coordenação: a aditiva, a adversativa e a alternativa. E acrescenta:
«Certas unidades de natureza adverbial e que manifestam valores de concessão, conclusão, continuação, explicação, causa, que fazem referência anafórica ao que anteriormente se expressou, podem aparecer como aparentes conectores de orações em grupos oracionais: logo, pois, portanto, por conseguinte, entretanto, contudo, todavia, por isso, também, daí, então, pelo contrário, etc: […]
Partindo desses valores semânticos, a gramática tradicional estabeleceu, entre os conectores coordenativos, as conjunções conclusivas e causais-explicativas. Realmente nesses casos se trata de unidades que manifestam esses valores de dependência interna, semelhantes às orações subordinadas, mas no nível do sentido do texto. São unidades transfrásicas, que ultrapassam os limites de fronteira das orações.» p. 478
Posição próxima é a de Gabriela Matos na Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, 5.ª edição, 2003, pp. 565 a 574.
Respondendo, finalmente, à sua pergunta. Creio que o mais adequado será considerar «pois os tios eram horrendos...» uma frase subordinada causal. Aliás, se verificarmos no verbete «conjunção subordinativa causal» da base de dados que complementa a terminologia, vemos que pois, embora na forma pois que, é já aí incluída.