A forma mendicar não existe atualmente, mas já existiu como variante culta de mendigar. José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, assinala que há registos de mendicar no século XVI: «e se perdem uns vivendo mal, e outros mendicando, porque não têm outra vida (Arrais, IV, cap. 26, p. 306)».
Tanto a forma mendicar como mendigar derivam do verbo latino mendicare. Como referem Holtus, Metzeltin e Schmitt em Lexikon der Romanistischen Linguistik, as oclusivas surdas latinas p, t e k sofreram uma sonorização (ou vozeamento) no português, passando a b, d e g, quando na posição intervocálica e antes das vogais a e u (como em amicu- > amigo). A forma popular mendigar entra no léxico do português antigo e sofre essa transformação, enquanto mendicar surge posteriormente e já não sofre este processo linguístico, sendo exemplo do processo de enriquecimento lexical do português clássico1.
De igual modo, mendicante e mendigante provêm do particípio presente de mendicare (mendicans, mendicantis). Só que, nestes casos, enquanto a primeira forma prevaleceu no português moderno, usada como adjetivo ou substantivo (Dicionário Houaiss), mendigante desapareceu, restando da sua existência passada a referência feita por José Pedro Machado na obra acima indicada.
1 Esperança Cardeira, em O Essencial sobre a História do Português (p. 71), observa que a língua literária dos séculos XVI e XVII retoma o modelo latino, do qual decalca a sintaxe e o léxico, concluindo que «é esse o maior contributo linguístico do português clássico: a construção frásica que imita a latina, a abundância de subordinação, os latinismos que enriquecem o acervo lexical».