1) A palavra (ou palavrão) pentelho, geralmente «pêlo púbico ou pubiano», mas também «qualquer coisa pequena ou de escassa importância, sem valor» (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, Círculo de Leitores, 1991),1 vem classificada de várias formas, conforme o dicionário consultado:
— O Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (edição de 2010) classifica pentelho como vulgarismo.
— Em Machado (op. cit.), uma marca de uso indica que é vocábulo chulo, isto é, «grosseiro, baixo, rústico» (ibidem).
— No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, a palavra aparece atribuída ao calão, que, em Portugal, é designação aplicada à linguagem grosseira ou rude (idem, s.v. calão).
— No Dicionário Houaiss, o vocábulo surge como tabuísmo, entendendo-se este termo como «palavra, locução ou acepção tabus, consideradas chulas, grosseiras ou ofensivas demais na maioria dos contextos [São os chamados palavrões e afins, e referem-se ger. ao metabolismo (cagar, mijar, merda), aos órgãos e funções sexuais (caralho, pica, boceta, vulva, colhão, cona, foder, pívia, crica, pachoucho etc.), incluem ainda disfemismos pesados como puta, veado, cabrão, paneleiro, expressões tabuizadas (puta que pariu) etc.]».
— O Dicionário Unesp do Português Contemporâneo regista a palavra sem indicação de ser obsceno o seu uso.
Refira-se ainda que o Novo Dicionário do Calão (2005), de Afonso Praça, acolhe pentelhos, «pêlos púbicos», a par de pentelheira, «os pêlos púbicos tanto do homem como da mulher».2 Guilherme Augusto Simões, no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, D. Quixote, 1994), igualmente consigna pentelho, «pêlo do púbis» e «coisa sem valor» e pentelheira, «conjunto de cabelos que cobrem o púbis e órgãos sexuais externos»; inclui ainda a forma pintelho, com praticamente as mesmas acepções que pentelho, mais as de «intriga, ou ainda um pequeno espaço de tempo»), com a indicação de na Madeira se usar pintinho.
Em suma, pentelho é vocábulo relacionado com um tipo de linguagem que tem designações variadas, embora se consiga depreender que todos os dicionários consultados se referem a um estilo verbal que é tido como baixo, rude e grosseiro. Neste contexto, não conheço, nos estudos linguísticos portugueses e brasileiros, uma terminologia que configure uma escala para o graus de grosseria dos chamados palavrões, isto é, palavras rudes ou obscenas. Não é de admirar que assim seja, dado tratar-se de matéria sujeita a grande divergência entre juízos, sobretudo atendendo à variação, que pode ser regional (um termo grosseiro em Portugal pode não ter esse valor no Brasil, e vice-versa; o que é obscenidade no Sul de Portugal pode não sê-lo no Norte) ou geracional (os jovens usam certas palavras que os mais velhos consideram rudes; certas palavras ganham ou perdem carga obscena no tempo de uma ou mais gerações).
É, portanto, muito subjectiva a avaliação do uso da palavra em causa, até porque o assunto não é exclusivo do foro linguístico, antes caindo na alçada das convenções sociais vigentes. Tudo parece depender da adequação ao contexto de comunicação. Tendo em conta que a frase proferida foi «andam a discutir [...] pintelhos» (consultar registo vídeo, 2´01´´), que apresenta a variante pintelhos, na acepção de «coisas em importância», poderá dizer-se que se trata de um mero vulgarismo, associado em Portugal a certa rudeza de linguagem, que não se coaduna com uma entrevista num canal de notícias, principalmente se este não se definir por um estilo irreverente e não for dirigido a um público jovem.3 Por outras palavras, sabendo que a referida figura do PSD não estava a tecer considerações de teor sexual — por contestável tradição, campo de referência privilegiado da obscenidade —, antes atribuindo à palavra um valor emocional, que traduzisse um certo grau de irritação, digamos que se procurou deliberada ou irreflectidamente certo efeito de choque — de gosto duvidoso.
2) Segundo o Dicionário Houaiss, pentelho é um derivado de pente, sufixado por -elho. O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado também relaciona a palavra com pente, o mesmo fazendo Silveira Bueno, no seu Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa (1966): «Pentelho — s.m.. O conjunto dos pêlos do púbis e adjacências. De pectiniculum, dimin. de pectinem, ao pé da letra, pentinho.»4
Assinale-se que a própria palavra pente igualmente se associa à ideia de «pêlo», «cabelo», como mostra o Dicionário Houaiss, a par do Dicionário Priberam, porque inclui, entre as acepções de pente, a de «púbis». Além disso, J. P. Machado, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, apresenta pentelho como sinónimo de pente, palavra a que também atribui a acepção de «o pêlo ou cabelo que nasce aos rapazes e às raparigas sobre o púbis, quando chegam à puberdade».
Refira-se que de pentelho derivam ainda outros vocábulos: o já mencionado pentelheira, e pentelhudo, «que tem muito pentelho» (Bueno, op.cit; cf. também Machado, Grande Dicionário..., Novo Dicionário Lello).
Convém não esquecer a forma pintelho, que deve ser variante recente, pois parece resultado da elevação do e nasal para i nasal, por se encontrar em sílaba átona (cf. "intrar" em vez de entrar). Mas não é de excluir a analogia com pinto, que pode ser usado informalmente na acepção de «pénis» (cf. Dicionário Houaiss) e para o qual pode remeter o já mencionado pintinho. (Simões, op.cit.). Acresce ainda o uso da forma pintelho como designação de uma espécie de pintassilgo (Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, de António Morais Silva, Editorial Confluência, 9.ª edição, 1994 e Aulete Digital), aparentemente, seguindo uma tradição em que termos que designam aves se tornam metáforas dos órgãos genitais (cf. pássara, passarinha em relação aos órgãos genitais femininos).
3) Quanto a saber qual das duas formas, pentelho ou pintelho, é mais correcta,5 nota-se que os dicionários gerais acima referidos só registam a primeira. O mesmo acontece no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa do ILTEC e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras. O facto não se alterar a base de onde deriva, pente, sugere que pentelho é a forma etimológica e morfologicamente mais fiel. Daí o favor dado pelos dicionários, permitindo concluir que se trata da forma recomendada.
Quanto a pintelho, o seu registo lexicográfico é muito mais raro, ocorrendo apenas no dicionário de Guiherme Simões (op. cit.), a par de Silva (op. cit), onde a palavra é descrita de modo tradicional como «corruptela popular» de pentelho. Assim se confirma o comentário etimológico acima exposto: trata-se de uma variante, resultante de fenómenos não aceites pela norma, como que a reforçar a vulgaridade de que a palavra já está investida.
5. Uma última observação: reconheça-se que estamos a falar de vocábulos que, historicamente, se desenvolveram em situações e comportamentos tidos como marginais, ou seja, menos sujeitos a mecanismos de censura e controlo sociais, de que a norma também faz parte. Não admira, pois, que no calão sejam frequentes as variantes. E não deixa de ser irónico que a norma se pronuncie sobre a correcção de palavras por definição incorrectas ou desapropriadas, porque não fazem parte de práticas discursivas prestigiantes.
1 O Dicionário Houaiss atribui ao vocábulo outras duas acepções, características do português do Brasil: «pessoa aborrecida, enfadonha, maçante» (tabuísmo) e «pessoa que exaspera com sua presença, que importuna, que não dá paz aos outros» (uso informal).
2 Sobre pentelheira, ver ainda dicionários gerais como Novo Dicionário Lello, o Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, de António Morais Silva (Editorial Confluência, 9.ª edição, 1994) e o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado. Também de Machado, o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa atesta o uso da palavra no século XVIII: «De pentelho. Séc. XVIII: “Um vestidinho, que entre as pernas mettido, á proa mostra da pentelheira cabelluda a sombra», José Agostinho Macedo, Os Burros, p. 234, ed. de 1892.”»
3 Há canais de televisão em Portugal em que o palavrão poderia ocorrer sem grande alarido na opinião pública, por exemplo, na SIC Radical.
4 É discutível a filiação directa no latim, porque a palavra pode analisar-se contemporaneamente como vocábulo derivado, dada a disponibilidade do sufixo -elho para a formação de palavras (artiguelho, grupelho, rapazelho, teatrelho), apesar de se registarem outras que incluem a mesma forma como parte integrante do étimo latino (artelho, chavelho): «formador de subst. masculinos, do lat. -icŭlu- ou -ilĭu-, que, nos casos em que é viva a percepção do suf., vale como dim., quase sempre pejorativo: artelho, artiguelho, bacharelho, bolhelho, bolselho, boquelho, borrelho, caravelho, chavelho, cortelho, cravelho, fedelho, fidalguelho, folhelho, francelho, grupelho, histelho, leitelho, pentelho, principelho, rapazelho, teatrelho, vencelho, vermelho, zangarelho [...]» (Dicionário Houaiss)
5 Integra-se aqui a resposta à questão apresentada pelo consulente José Vítor Malheiros: «Pintelho» ou «pentelho?»