1. As interfaces entre as várias áreas dos estudos linguísticos ocorrem sem prejuízo para a terminologia específica de cada uma. Por exemplo, uma análise do tipo «a alta frequência das orações consecutivas no texto de Pergrinação, de Fernão Mendes Pinto, apoia a construção da isotopia do excesso» é aceitável, sendo «oração consecutiva» um termo da sintaxe, e «isotopia», um termo da linguística textual. Se assim não fosse, teria de ser construída uma espécie de "hiperterminologia", de que não deveríamos esperar grandes resultados.
2. O fa{#c|}to de se ter suprimido o adjectivo «circunstancial» na designação de uma função sintáctica não quer dizer que se tenha erradicado da análise linguística o conceito de circunstância. Se assim fosse, os conceitos envolvidos no estudo do funcionamento da língua eram apenas os fixados nas palavras que constam das entradas terminológicas — o que seria inviável, de tão redutor.
3. A correspondência ablativo-complemento circunstancial não é imanente à estrutura da língua portuguesa ou à estrutura da língua latina. É antes uma correspondência feita por gramáticos, vigente ao longo de dois séculos (pelo menos). Em que medida a correspondência ablativo-complemento circunstancial viabiliza o estudo diacrónico da língua e a correspondência ablativo-sintagma preposicional (complemento oblíquo ou modificador) o inviabiliza?
4. A classificação de «complemento circunstancial» não permite a distinção entre o constituinte adverbial ou preposicional que é subcategorizado pelo verbo (complemento) e aquele que o não é (modificador). Assim, de acordo com a terminologia tradicional, os constituintes sublinhados nos exemplos abaixo são ambos complementos circunstanciais:
a) «O Zé trabalha em Lisboa.»
b) «O Zé trabalha em madeira.»
No entanto, aplicando o teste da substituição por um verbo intransitivo (1) e o teste da clivagem (2), vemos que esses dois sintagmas preposicionais estabelecem com o verbo relações gramaticais diferentes. E para relações gramaticais/funções sintácticas diferentes, termos diferentes: complemento oblíquo («em madeira») e modificador («em Lisboa»).
(1) «O Zé trabalha em Lisboa.»
«O Zé desmaiou em Lisboa.»
«O Zé trabalha em madeira.»
*«O Zé desmaiou em madeira.»
Constatação: a substituição do verbo trabalhar por um verbo intransitivo obriga à supressão do sintagma preposicional «em madeira», mas não obriga à supressão do sintagma preposicional «em Lisboa».
(2) «O Zé trabalha em Lisboa.»
«É trabalhar em Lisboa o que o Zé faz.»
«É trabalhar o que o Zé faz em Lisboa.»
«O Zé trabalha em madeira.»
«É trabalhar em madeira o que o Zé faz.»
*«É trabalhar o que o Zé faz em madeira.»
Constatação: na estrutura clivada, «em Lisboa» pode ser separado do verbo, mas «em madeira» não pode.
Nota: exemplos retirados de Ana Costa e João Costa 2001 — O Que É Um Advérbio?, Edições Colibri, APP.