Segundo o Dicionário Prático para o Estudo do Português (Porto, Porto Editora, 2003), de Olívia Maria Figueiredo e Eunice Barbieri de Figueiredo, «só os verbos transitivos directos podem empregar-se na voz passiva». Isto parece implicar que todos os outros verbos só têm voz activa, incluindo os de ligação.
No entanto, é verdade que os verbos que ligam um sujeito a um predicativo não se reportam a acções mas, sim, a estados, pelo que parece uma falta de rigor atribuir-lhes a voz activa. Se assim é, então também não terá sentido falar em voz activa a propósito de um verbo intransitivo estativo como jazer ou de outro, também intransitivo, como desmaiar, que representa um evento não controlado por um agente (é estranho que se diga «X desmaiou deliberadamente»).
Pelo que posso concluir da consulta de várias gramáticas, as vozes activa e passiva são solidárias, como característica dos verbos transitivos. Dizem João Andrade Peres e Temo Móia, em Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 210):
«[...] a possibilidade de construção de pares de frases activa/passiva é limitada e depende crucialmente dos verbos, já que nem todos suportam a voz passiva. Foi esta dependência relativamente aos verbos que levou a tradição gramatical greco-latina a quase sempre explicar a oposição de que estamos a ocupar-nos em termos morfológicos — falando da voz activa e da voz passiva da conjugação verbal —, mais que em termos sintácticos, isto é, em termos de estrutura frásica. Aos verbos que admitem construção passiva chamou [a tradição gramatical greco-latina] verbos transitivos (porque, na perspectiva aí perfilhada, se entendia que eles podiam «transitar da voz activa para a voz passiva)».
Recorro a esta citação, não para defender que só os verbos transitivos é que têm voz activa, mas mais para lembrar, com estes gramáticos, que se identifica frequentemente a voz activa com um padrão morfológico verbal que é o do uso de tempos simples ou compostos com o auxiliar ter. Há pouco, os exemplos de jazer e desmaiar mostram que pode ser irrelevante ou grosseiro ver neles a voz activa, porque são verbos estativos, aos quais se associa o papel temático de tema na função de sujeito. Pelo contrário, os verbos intransitivos têm associado à função de sujeito o papel semântico de agente e têm voz activa, é certo; mas, como lhes está vedada a possibilidade de participarem numa construção passiva por não seleccionarem, na referida voz, um argumento com a função de complemento directo, torna-se descritivamente irrelevante dizer que têm voz activa.
Finalmente, se, por verbos depoentes, o consulente entende verbos de significação activa conjugados com o pronome reflexo (lavar-se e até mesmo verbos de se inerente como rir-se), é claro que pode falar em sentido activo e passivo da conjugação, uma vez que o agente é ao mesmo tempo paciente («eu [= agente] lavei-me a mim mesmo [= paciente]». Mas, mais uma vez, não me parece que a análise gramatical ganhe muito com essa constatação, porque chegamos à mesma conclusão com a consideração dos papéis semânticos (agente, paciente, tema, etc.) que estão associados aos argumentos verbais.