O Instituto de Linguística Teórica e Computacional celebra, no próximo mês, 20 anos de existência, promovendo o encontro Discurso, Diversidade e Literacia: a língua portuguesa no século XXI, para o qual são chamados linguistas e não linguistas. Estarão em análise os reflexos da rápida e contínua mudança tecnológica no uso da língua, potenciando a emergência de novas formas de literacia.
O tema é pertinente.
Já se fala em "Internetês" ou "cibernautês" e em regras de "netiqueta" nas várias modalidades de comunicação mediada por computador — chat (sala de conversação), e-mail, blogue, etc. A invenção de palavras será o fenómeno mais evidente: "teclar", "chatar", "emailar-se com alguém". Há também as formas truncadas — "tar" (por estar), "mt" (muito), "pq" (porque), "bdg" (obrigado) — e os acrónimos: "fds" (fim-de-semana), "pf" (por favor).
Estão em curso, também, novas formas de construção de sentido. Por exemplo, quando lemos num site «Consulte o nosso preçário aqui.» (em que aqui é âncora para um link), vemos que aqui aponta, não para o espaço físico circundante ao locutor, mas para o próprio campo gráfico do texto.
Porém, aquilo que vira do avesso a forma de expressão tradicional é a legitimação da fala projectada na escrita. A escrita (tradicional) é um trabalho miudinho, requer tempo para a ponderação sobre o material linguístico a seleccionar, ordenação frásica, estabelecimento de elos entre tópicos, a que se vem juntar uma competência gráfica muito regrada (disposição de linhas, marcação de parágrafos, pontuação, etc). Mas o que temos no chat e no e-mail informal é o uso oral da língua que, em vez de ter suporte áudio, tem suporte gráfico. Daqui resulta um texto cheio de hesitações, repetições, incongruências, suspensões, enriquecido com a indicação do estado de espírito e do semblante dos interlocutores, através do constante recurso aos smileys [:-) :-( ]e às onomatopeias ("chuacsss", "grrrr", "toing"), por exemplo.
A invenção da escrita é um marco na evolução da humanidade. A reinvenção da escrita pode não lhe ficar atrás.
Artigo publicado no semanário Sol de 17 de Maio de 2008, na coluna Ver como Se Diz