Nada temos a corrigir. Pelas seguintes razões:
1. Tal como palavra-passe, a palavra senha está a ser usada em Portugal como designação de «sequência de caracteres que permite o acesso a um conjunto de operações num sistema de computadores ou em equipamentos computadorizados» (Dicionário da Língua Portuguesa da Infopédia). Quer dizer que a dicionarística portuguesa mais recente, além de confirmar a definição de senha que é apresentada pelo consulente, lhe acrescentou uma nova aceção (cf. idem e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), que, de resto, surge como uma extensão de «sinal, gesto combinado entre duas pessoas» (ver ponto 5 destas considerações).
2. É verdade que, pelo menos, em certos meios, se dá preferência a palavra-passe sobre senha. Por exemplo, o Glossário da Sociedade da Informação, na sua versão de 2011, regista ambos os termos, mas remetendo senha para palavra-passe, o que sugere preferência deste sobre aquele, muito embora seja de realçar que como sinónimo de palavra-passe se use a própria palavra senha.
3. Em relação a um domínio referencial como é o da informática, caracterizado por constantes inovações, é de esperar que a terminologia respetiva também sofra constantes alterações pela introdução de novos termos, criados pelos mais variados processos, entre os quais salientamos: decalques de empréstimos por tradução termo a termo, ou seja, como tradução ou transposição literais, como é o caso de palavra-passe; e extensão semântica de um vocábulo tradicional, como acontece com senha.
4. Sem razão, também, o que o consulente refere sobre o âmbito do Acordo Ortográfico (AO). Seja este ou qualquer outro, o que aí se trata é apenas e só da ortografia das palavras – nada tendo que ver, portanto, com a tradução para português de qualquer estrangeirismo, como é o caso vertente de password. Só tem sentido relacionar este assunto com o AO num contexto mais alargado – como é o do funcionamento institucional do português como língua falada em diferentes países, de modo a promover a harmonização ou a convergência de diferentes usos e até de diferentes normas. Nesse capítulo, um dos objetivos associados ao AO é a elaboração de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, «tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas» (art.º 2 do texto introdutório do AO). Trata-se porém um tema mais vasto que, como se disse, não tem sentido algum abordar nestes comentários (sobre o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, ver aqui).
5. O uso de senha como termo equivalente a password parece ter efetivamente origem brasileira: anote-se que o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, publicado em 2001, o caracterizava como brasileirismo. No nosso entender, trata-se até de uma solução feliz, uma vez que recupera uma unidade lexical disponível em português e adequada ao referente em apreço, com um mínimo de distorção semântica. Com efeito, por senha ainda se entende muitas vezes a palavra usada como forma de reconhecimento em situações que exigem segurança e secretismo, como sejam as de conflito militar ou de perseguição política; daí a frase «qual é a senha?», que passou à recriação literária ou cinematográfica (observe-se que a uma senha se responde com uma contrassenha). Do mesmo modo, em informática, razões semelhantes de segurança e proteção de dados justificam usar senha. No português de Portugal, esta palavra, como sinónimo de palavra-passe, tem legitimidade, ganhou uso frequente, e, como já foi apontado, as edições mais recentes dos dicionários elaborados em Portugal já a acolhem.
6. A (consensual) explicação sobre a formação de palavra-passe só mostra, afinal, como o termo é de facto um decalque do inglês, criado com palavras portuguesas e relacionadas de harmonia com as regras da composição lexical.
7. Outra constatação óbvia: «As palavras [têm] de sofrer alterações mediante a sua utilização, i.e., a circunstância em que são utilizadas». Tanto palavra-passe como senha são bons exemplos disso.