Na minha resposta anterior, ao Sr. João Vieira, não há nenhuma gralha. O que pode é estar menos clara para pessoas um pouco fora destes assuntos. Vou, pois, explicar, mais miudamente:
a) O movimento não tem existência própria, não existe por si só. Não há movimento sem um ser - um ser que se move.
b) O mesmo acontece com a largura. Não concebemos a largura sem um ser.
c) O mesmo se dá com a bondade. Não pode haver bondade sem um ser que a tenha.
d) O mesmo se dá com as acções. A viagem é uma acção. Será possível uma viagem sem um ser que a pratique?
Isto é, a viagem, a bondade, a largura, o movimento não existem por si sós. Não têm independência do ser, do concreto, daquilo que tem existência própria. Não têm existência real. Só a têm no nosso pensamento. É o que acontece com a vindima. Ela não existe separada da pessoa que vindima, da respectiva ferramenta e da existência da videira e do cacho. Em realidade, não existe separada destes seres. E tanto é verdade não existir, que, para que a nossa mente conceba a vindima como uma coisa (como se fosse uma coisa), tem ela de a abstrair (separar) de todos aqueles seres. E então a vindima fica abstracta (separada) de todos aqueles seres.
Fica separada mentalmente, claro está. Por isso, dizemos que a palavra vindima é um substantivo abstracto, isto é, desligado, separado - separado do concreto. Para melhor compreensão, vamos ao latim. O verbo abstrair provém do verbo latino abstrahere, separar. É formado da preposição abs (=ab), empregada aqui como prefixo com o sentido de afastamento; e do verbo trahere, tirar. O particípio passado deste verbo é abstractum, tirado, separado. Daqui provém o português abstracto com o mesmo sentido. Conclusão: o substantivo abstracto indica aquilo que, em realidade, não é independente do concreto - as acções, os estados, as qualidades dos seres.