Embora a consulente apresente várias perguntas, como se trata de um mesmo tema, darei uma única resposta que, espero, a deixe elucidada. Em primeiro lugar convém definir o termo 'flexão', antes ainda de nos debruçarmos sobre a flexão verbal. Quando, numa língua, se fala de flexão estamos a designar o facto de um único vocábulo ser passível de assumir formas distintas, de acordo com a função que desempenha numa frase. Podemos encontrar vários tipos de flexão entre as quais me limito a salientar dois – a flexão nominal e a flexão verbal. A primeira consiste nas diversas formas de que uma palavra se pode revestir dependendo da função sintáctica que desempenha (a forma que apresenta quando desempenha a função de sujeito é distinta da do complemento directo e, por sua vez, ambas são distintas da do complemento indirecto, por exemplo). Isto é facilmente compreensível se pensarmos no Alemão, por exemplo, que possui aquilo a que vulgarmente chamamos 'declinações' e que mais não é do que uma forma de flexão; ou se pensarmos no facto de que no Português (tal como nas restantes línguas ocidentais) distinguimos entre Plural e Singular, entre Masculino e Feminino: o adjectivo 'guloso' assume formas distintas consoante qualifique um substantivo masculino ou feminino, ou ainda consoante qualifique um ou mais substantivos.
Similarmente, a flexão verbal consiste na possibilidade que um qualquer verbo tem de assumir diversas formas, ou seja a conjugação verbal. Há num verbo seis tipos de variações: o número, a pessoa, o tempo, o modo, o aspecto e a voz. O número pode assumir duas formas, singular e plural, consoante tenha por sujeito uma, ou mais, pessoa ou coisa. As pessoas são três e, tal como o número, também elas estão directamente relacionadas com o sujeito do verbo: a primeira pessoa – 'eu', no singular, e 'nós', no plural – é a pessoa que fala; a segunda pessoa – 'tu', no singular, e 'vós', no plural – é a pessoa a quem se fala; a terceira pessoa – 'ele', 'ela', no singular, e 'eles', 'elas', no plural – é a pessoa de quem se fala. (Exs.: a) Eu como o bolo. b) Tu comes o bolo. c) Ele come o bolo.). O tempo é o tipo de variação que indica o momento em que se realiza a acção, ou seja, basicamente, passado, presente ou futuro. O modo consiste nas várias formas que o verbo pode assumir para indicar a maneira como a pessoa que se exprime encara a realização da acção:
- o Indicativo indica que a pessoa encara a acção como real;
- o Conjuntivo indica que a pessoa encara a acção como possível, eventual, desejável ou, até, duvidosa;
- o Imperativo serve para exprimir uma ordem;
- o Condicional indica que a pessoa admite que a realização da acção está dependente de uma condição;
- e o Infinitivo indica a acção como uma simples ideia.
O aspecto é uma categoria distinta das restantes, visto que manifesta a forma como o narrador/locutor encara a acção expressa pelo verbo. Esta pode ser vista como concluída, ou seja, vista já no seu resultado, ou como não concluída, ou seja, vista ao longo da sua duração. Podemos, assim distinguir entre um aspecto pontual (O João comeu um bolo.) e um aspecto durativo (O João está a comer um bolo.). Numa acepção lata do termo, poderíamos encontrar ainda outros tipos de aspecto, mas não julgo que isso seja pertinente de momento. No entanto, a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, aborda o assunto. Finalmente, a voz. Esta variação do verbo indica a forma como o facto que aquele indica pode ser representado. Assim sendo, temos uma voz activa, quando a acção é realizada pelo sujeito (A mãe lava a criança.); mas, se o sujeito sofrer o resultado dessa acção já temos a voz passiva (A criança é lavada pela mãe.). Dá-se ainda o caso de o sujeito ser simultaneamente o agente e aquele que sofre o resultado da acção (A criança lava-se = é lavada por si mesma.). Neste caso temos aquilo a que algumas gramáticas chamam a voz reflexiva, ou média.
Ainda relativamente à flexão, podemos classificar os verbos como regulares (se se conjugam de acordo com um paradigma, como cantar, vender ou partir), irregulares (se se afastam desse mesmo paradigma, como estar, ser ou fazer), defectivos (se não apresentam certas formas; neste caso podemos distinguir entre verbos unipessoais e verbos impessoais, como chover) e abundantes (aqueles que possuem duas, ou mais formas equivalentes. Normalmente esta 'abundância' de formas verifica-se no particípio, havendo verbos que tem duas ou três formas de particípio: matar, por exemplo, tem duas formas – morto e matado; aceitar tem três – aceite, aceitado e aceito.).
Regressando agora aos tempos verbais, verificamos que alguns tempos são designados como 'primitivos' e outros como 'derivados'. Considera-se habitualmente que os tempos simples do verbo correspondem a formas já existentes no Latim clássico, ou mesmo no Latim vulgar. Com o correr dos séculos, naturalmente, essas formas sofreram evoluções fonéticas, acabando por originar as formas que actualmente usamos (não devemos esquecer que as línguas românicas mais não são do que uma evolução do Latim). Ora entre esses tempos simples há três que serviram de base à formação dos restantes tempos verbais. A esses tempos verbais chamamos tempos primitivos, sendo os outros designados como tempos derivados.
Os tempos primitivos são o Presente do Indicativo, o Pretérito Perfeito do Indicativo e o Infinitivo Impessoal. O Presente do Indicativo serviu de base à formação dos seguintes tempos secundários: Pretérito Imperfeito do Indicativo, Presente do Conjuntivo e Imperativo. Do Pretérito Perfeito do Indicativo formaram-se os seguintes tempos: Pretérito Mais-que-Perfeito do Indicativo, Pretérito Imperfeito do Conjuntivo e Futuro do Conjuntivo. Finalmente o Infinitivo Impessoal serviu de base à formação de: Futuro Imperfeito do Indicativo, Condicional e Infinitivo Pessoal.
Para terminar a resposta à pergunta apresentada falta apenas referir que, de acordo com a explicação apresentada por Lindley Cintra e Celso Cunha na sua já referida Gramática, os tempos simples são formados sempre a partir do radical, ao qual se acrescenta a vogal temática, um sufixo temporal (no caso do Pretérito Imperfeito e do Pretérito Mais-que-Perfeito) e a desinência pessoal. Tomemos como exemplo o verbo 'cantar'. O seu radical é 'cant-'; a vogal temática da 1ª conjugação é o '-a-'; daí a forma da 3ª pessoa do singular do presente: canta. No entanto, se lhe acrescentarmos o sufixo do imperfeito (-va), ficamos com a forma 'cantava'. 'Cantara' tem uma formação similar: cant-a-ra, sendo '-ra' o sufixo do Pretérito Mais-que-Perfeito. As desinências pessoais são obviamente aquelas que designam a pessoa: -o/-m, para a 1ª pessoa do singular, -s, para a 2ª, -mos, para a 1ª pessoa do plural, etc.