Estamos na presença de um eufemismo, embora haja situações em que a leitura dos recursos possa ter diferentes interpretações, pois pode haver a ocorrência de vários na mesma expressão.
Segundo o E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia, o eufemismo é uma «Figura de retórica que procede à substituição de uma expressão rude ou desagradável por uma outra que amenize o discurso, embora sem alterar o sentido [...] O termo é de origem grega (euphemismos, “bem dizer”) e desde sempre foi utilizado para designar as formas [de] dissimulação de sentimentos desagradáveis, de pensamentos cruéis ou de palavras tabu, que se evitam pelo recurso a uma linguagem mais amaviosa, sem se perder o sentido original de vista.»
Na frase do poeta Mário Quintana, podemos perceber o eufemismo na definição de mentira: «A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.»
Vejamos a frase em questão, «caiu para sempre», retirada da Odisseia, de Homero, na adaptação de João de Barros, no momento em que o narrador conta a morte de Argos, o cão fiel de Ulisses:
Em vez de empregar o verbo morrer, a que se atribui um carácter negativo no imaginário coletivo, conferido até foneticamente pelos dois -r que, no caso, provocam uma espécie de arranhão psicológico, o narrador prefere suavizar essa situação-limite com uma expressão de intenção eufemística.
Aliás, na língua portuguesa, deve haver poucas outras palavras que igualem em eufemismos o verbo morrer: partir, ser chamado por Deus, transformar-se numa estrela, ir para o céu, partir para uma vida melhor, partir para o Além, dormir o sono dos justos ... ou, mais poeticamente, dirá Álvaro de Campos na sua Lisbon revisited (1923), «E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!»
Cremos que a expressão se enquadra neste âmbito do eufemismo, pois, na hora em que morre Argos, esse momento é remetido para todo o sempre, ideia que perpetua a vida dele na memória de Ulisses. E isso é contrário à ideia da morte literal.
Este discurso de atenuação da expressão pode ser ainda potenciado quando se combina com outras figuras: uma metáfora ou uma metonímia servem, por exemplo, muitas vezes para amenizar uma ideia repugnante ou cruel, o que configura o caso em análise, pois associa-se claramente a metáfora ao verbo cair.