DÚVIDAS

Sumários dos capítulos de um livro vs. epígrafes

Como se chamam os sumários que, nalguns livros, antecedem as narrativas dos vários capítulos? Uns são bastante curtos («Em que a donzela vai prosseguindo sua história», Menina e Moça, cap. II), outros mais esclarecedores («De como o autor (...) se resolveu a viajar na sua terra (...). Parte para Santarém. Chega ao Terreiro do Paço, embarca no vapor de Vila Nova (...). A Dedução Cronológica e a Baixa de Lisboa. Lord Byron e um bom charuto. Travam-se de razões os Ílhavos e os Bordas-de-água (...)», Viagens na Minha Terra, cap. I). Isto implica designações diferentes?

Obrigado.

Resposta

Não encontramos registo ou atestação do termo que designa os sumários referidos pelo consulente. Deste modo, parece legítimo o uso da própria palavra sumário com esse significado.

Note-se que estes sumários não devem ser confundidos com as epígrafes. Estas são as citações, fragmentos de frase, sentenças, máximas ou divisas antepostas no início de um livro ou capítulo. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define epígrafe como o «título ou frase que, colocados no início de um livro, um capítulo, um poema etc., servem de tema ao assunto ou para resumir o sentido ou situar a motivação da obra; se for uma citação, também é considerado epígrafe».

Nota: Segundo a definição dada por Carlos Reis e Ana Cristina M. Lopes, no Dicionário de Narratologia, pp. 124 e 125 (Edições Almedina, 2007), a epígrafe (do gr. epi-, «sobre», «por cima de»; graphein, «escrever») «é um texto, normalmente de curta extensão, inscrito antes de se iniciar a narrativa propriamente dita, uma das suas partes ou um dos seus capítulos». Tanto pode ser de autoria de outrem como do autor do relato que ela antecede.

Não constituindo uma prática exclusiva do modo narrativo, temos dois tipos de epígrafes:

– a alógrafa, que recorre habitualmente a textos ou fragmentos de textos de reconhecida autoridade; exemplo:

«Pois que fez Santo António? Mudou somente

o púlpito e o auditório (...). Deixa as praças, vai às praias;

deixa a terra, vai ao mar e começa a dizer a altas vozes:

já que não me querem ouvir os homens,

ouçam-me os peixes. Oh, maravilhas do Altíssimo!

Oh, poderes do que criou o mar e a terra!

Começam a ferver as ondas, começam a concorrer

os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos,

e postos todos na sua ordem com as cabeças

de fora da água, António pregava e eles ouviam.»

(Extrato do Sermão de Santo António, Padre António Vieira, que constitui a epígrafe do capítulo "O peixe e o homem", p. 97, de O Fio das Missangas, de Mia Couto);

– e a autógrafa, em que o autor mostra em forma de preâmbulo uma propensão reflexiva, por vezes de recorte imagístico ou ideológico; exemplo:

«Esteiros. Minúsculos canais, como dedos de mão espalmada, abertos na margem do Tejo. Dedos das mãos avaras dos telhais que roubam nateiro às águas e vigores à malta. Mãos de lama que só o rio afaga.» (Soeiro Pereira Gomes, Esteiros, p. 13).

A epígrafe, que esboça pistas de leitura nos campos semântico e pragmático nas obras em que se insere, funciona como «palavra autoritária» (Bachtin, 1979: 151) e pode desempenhar funções temáticas, ideológicas, reverenciais, etc.

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