Já se disse várias vezes no Ciberdúvidas que a análise estilística de um texto é também uma questão de interpretação, podendo na mesma expressão ou frase ocorrer duas ou mais figuras de estilo. Farei breves comentários a cada exemplo, que se reportam ao episódio das Sereias:
1. «O mar que era caminho parecia querer transformar-se em porta que se fechava à sua frente»
A sequência «parecia transformar-se em porta...» é uma comparação, visto a identificação entre «mar» e «porta» ser feita explicitamente mediante palavras e expressões comparativas («semelhante a...», «como...», «parece...», etc.). Pode ainda considerar que «o mar que era caminho» é uma metáfora, porque a identificação entre os dois substantivos se faz sem a mediação das referidas construções comparativas.
2. «E o canto chorava, suavíssimo, violentíssimo»
Em «o canto chorava», está implícita a identificação entre o som do canto e o som do choro, pelo que se pode considerar que se trata de uma metáfora. Além disso, também é possível afirmar que a expressão encerra uma personificação, por atribuir características humanas ao canto (não é o canto que chora, são as pessoas que o ouvem). Quanto à sequência «suavíssimo, violentíssimo», mais do que uma antítese (simples contraste entre duas realidades), podemos falar de paradoxo, já que «violentíssimo» parece entrar em contradição com «suavíssimo», embora se compreenda que o canto tinha uma tal sedução que exacerbava o desejo.
3. «Dizem que não ficou pedra sobre pedra»
Pode-se interpretar como hipérbole a expressão «não ficar pedra sobre pedra», que é também corrente em textos não-literários. Dizendo que não se sobrepõe nenhuma pedra, sublinha-se o grau de destruição sugerido.
4. «Ulisses uivava para os companheiros: — Parem!»
O verbo uivar torna-se mais expressivo que gritar, porque o sofrimento da personagem é como o de um animal ferido. Esta substituição é realmente uma metáfora.
5. «HOMENS... HOMENS... HOMENS...»
É mesmo uma repetição com suspensão do enunciado.
6. «Tudo aqui é ciclópico: os animais, as plantas, as pedras...»
A consulente não se enganou: é uma enumeração, que gramaticalmente funciona como aposto de «tudo». Não acho que haja suspensão de frase, antes me parece que as reticências marcam a suspensão da série «os animais, as plantas, as pedras...», criando a possibilidade de deixar na indefinição o que pode corresponder a «tudo». Teríamos suspensão de frase se reformulássemos a sequência: «Os animais, as plantas, as pedras... tudo aqui é ciclópico.»
7. «Beberam, comeram, ofereceram sacrifícios... Beberam, comeram, dançaram...»
É como diz: enumeração e repetição.