O Dicionário Eletrônico Houaiss regist{#|r}a o substantivo (nome) calhandrice e diz que se trata de regionalismo de Portugal de uso informal; significa «sucessão de intrigas; boataria, falatório, disse-me-disse». Deriva de «calhandro + -ice».
O dicionário também acolhe o termo calhandreiro, considerando-o diacronismo antigo, com o significado de «indivíduo negro que despejava e limpava calhandros ("vasos", "penicos")»; por extensão de sentido, trata-se ainda de regionalismo de Portugal de uso pejorativo, significando «indivíduo linguarudo».
Voltando ao termo calhandrice, ainda há poucos anos era muito usado nos bairros populares das grandes cidades portuguesas e também nas aldeias, ouvindo-se muitas vezes expressões como «Olha, lá anda aquela na calhandrice!».
N.E. (13/09/2019) – Tem origem obscura o uso de calhandro como denominação de «vaso grande e cilíndrico onde se colocavam as imundícies e os dejetos recolhidos de cada casa da cidade para serem despejados em algum lugar» (Infopédia). O termo pode também aplicar-se a um «urinol alto e cilíndrico», à «bacia de privada [casa de banho]» e, metaforicamente, a uma «casa de detenção; cadeia, prisão» (Dicionário Houaiss). Com entrada própria, também se regista calhandro como o macho da ave chamada calhandra (variante calandra), vocábulo que tem por sinónimos cotovia, laverca e, no Brasil, sabiá-do-campo (cf. Infopédia e Dicionário Houaiss). Poderia supor-se que calhandro, no sentido de «vaso», e calhandro, denotando ave, correspondessem a várias aceções (polissemia) da mesma palavra; contudo, as fontes consultadas registam tais formas como vocábulos distintos. Acrescente-se que calhandra conta, entre os seus significados, o de «mulher pouco asseada», sugerindo que os dois termos com a forma calhandro podem encerrar, afinal, a relação mais estreita que aparentam; note-se, porém, que os dicionários consultados pouco ou nada adiantam que confirme tal hipótese.
A respeito da história da calhandro e dos seus derivados calhandrice e calhandreiro/calhandreira, no contexto dos (escassos) hábitos de higiene da população de Lisboa no século XVIII, transcreve-se um excerto de "Lisboa e a calhandrice", texto da autora de Maurício Barra, que o inclui com a data de 24/05/2019, no seu blogue Grande Hotel:
«[...] o calhandro, termo de origem obscura, [...] designa um vaso grande e cilíndrico onde se despejavam dejectos e outras imundícies recolhidos de cada casa, para serem colocados em local próprio. O local próprio era, a maior parte das vezes, um calhandro bastante maior, um barril suportado em duas varas, transportado pelas vielas lisboetas para recolher os dejectos e deitados fora na Ribeira de Alcântara na confluência com o Rio Tejo.
Esse trabalho era efectuado, predominantemente, por ex-escravos numa Lisboa na qual, “a partir de meados do século XV, começaram a adquirir uma representatividade significativa em termos demográficos. Referimo-nos sobretudo aos de raça negra, trazidos para Portugal quando os navegadores chegaram à costa da Guiné. Embora grande parte das centenas de escravos que anualmente chegavam a Portugal fosse vendida para outros reinos, os restantes foram usados nas plantações de açúcar da Madeira, nos campos de culturas extensivas e em serviços domésticos. Ao todo, muitos milhares de africanas e africanos viveram em Portugal, particularmente em Lisboa, criando uma minoria étnica estável.”
E assim nasce o termo calhandreiro ou calhandreira, o ( desculpem o termo ) transportador da “merda” para o rio. Com o tempo e com o saneamento acabou o transporte da imundície à mão, mas ficou o termo. Hoje calhandreiro ou calhandreira significa aqueles que passam a vida a dizer mal dos outros, “aqueles que quando abrem a boca só sai merda“.
Está certo.
Um nome de origem histórica fica sempre melhor nestas circunstâncias.»
Obs.: As aspas contidas na transcrição sugerem uma citação cuja fonte, no entanto, o original não identifica.