O pronome relativo (para muitos o determinante relativo) cujo tem algumas características que o individualizam. Ele tem não só um antecedente, mas também um consequente e é com esse consequente que concorda em género e número. Além disso, veicula um sentido de posse e pode ser substituído por do qual, ou por dele.
No entanto, nem sempre as frases constituídas com cujo apresentam um valor objectivo de posse. Por vezes esse valor é simbólico e relaciona-se com uma característica própria de uma entidade e não com uma posse efectiva. Estou a pensar, por exemplo, no perfume da rosa. Será de posse, a relação que existe entre a rosa e o seu perfume? Será de posse o sentido de cujo em «A rosa cujo perfume me inebria»? No Dicionário da Academia das Ciências refere-se que cujo «[indica] pertença, parentesco, dependência, qualidade». Apresentam-se como exemplos:
«O meu chefe, com cujas opiniões nem sempre concordo, encarregou-me de um trabalho de grande responsabilidade.»
«As crianças cuja família vive longe utilizam transporte escolar.»
Por seu lado, no Novo Aurélio XXI, há exemplos como:
«É um gás a cujas exalações ninguém resiste.»
Numa pesquisa pelo corpus do Centro de Linguística disponível em linha, na página www.clul.ul.pt, encontrei 1714 exemplos em tudo semelhantes aos que atrás se apresentam. Transcrevo três para ilustrar apenas a diversidade da “pertença” veiculada por cujo:
1 «O mau espectáculo futebolístico foi, assim, a nota dominante de um jogo cuja qualidade foi agravada pelo trabalho negativo do árbitro.»
2 «[…] Capoulas dos Santos espera inaugurar a […] barragem, cuja construção adjudicou.»
«[O partido] laranja não conta com problemas de maior nos municípios da área metropolitana cuja presidência detém.»
3 «[…] avultam as Estatísticas e Biografias Parlamentares, do barão de São Clemente, cuja publicação remonta a 1892.»
Em conclusão, prezado consulente, nas duas frases acerca das quais solicita a nossa reflexão, a relação entre o antecedente e o consequente de cujo é tão forte que possibilita o uso de do qual ou dele, mas não é necessariamente de posse, se encararmos posse em sentido restrito. Esse facto não implica, porém, a incorrecção das construções.