DÚVIDAS

Próclise e ênclise com porque

Gostaria que me dessem a vossa opinião quanto ao caso seguinte:

Na frase «O Fidalgo exigiu tratamento diferenciado porque terá idealizado a sua entrada no Paraíso», se substituirmos o complemento direto na oração subordinada adverbial causal, teremos como resposta correta "porque a terá idealizado" ou "porque tê-la-á idealizado"?

Resposta

Ambas as possibilidades podem ser aceitáveis. 

Neste caso, estamos perante uma oração subordinada causal introduzida pela conjunção porque. As conjunções e locuções conjuncionais que introduzem orações subordinadas funcionam como atractores de próclise, isto é, obrigam o pronome a aparecer antes do verbo. Isto acontece com orações subordinadas temporais, causais, concessivas, finais ou condicionais. Em todas estas, a presença da conjunção desencadeia a próclise, razão pela qual a colocação do pronome em «porque a terá idealizado» está correta.

Já em «porque tê-la-á idealizado» estamos perante a ocorrência da subida do clítico. Note-se que em construções com infinitivo, pode ocorrer o fenómeno da subida de clítico, em que o pronome se desloca para junto do verbo auxiliar. Em perífrases com gerúndio ou particípio passado, como é o caso em análise, torna-se obrigatória1.

Deste modo, podemos afirmar que ambas as construções são formalmente possíveis, mas obedecem a regras distintas da colocação pronominal no português europeu. Em «porque a terá idealizado» estamos perante um fenómeno de próclise desencadeada pela conjunção causal porque, sendo a forma mais natural e expectável neste contexto. Já «porque tê-la-á idealizado» exemplifica o fenómeno da subida de clítico em perífrases verbais, cuja ocorrência é também prevista pela gramática.

1. Martins, Ana Maria. A posição dos pronomes pessoais clíticos. In Raposo, E. P. et al. (Orgs.) Gramática do Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Pp. 2231-2302.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa