A proposta feita pelo consulente tem sentido na medida em que há estruturas perante as quais a análise gramatical tem dificuldade em identificar e delimitar aposto, predicativo ou complemento adnonimal. Assim:
1. As gramáticas tradicionais (a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, a Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara) realmente incluem as orações adjectivas relativas restritivas e explicativas entre os adjuntos adnominais.
2. As gramáticas tradicionais não admitem que o aposto seja realizado por um adjectivo. No entanto, propostas recentes (M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 368/369) evidenciam a existência de apostos adjectivais.
3. Num quadro de análise tradicional, Bechara considera entre os apostos aqueles que chama circunstanciais; p. ex. (págs. 457-458):
a) valor comparativo: «A ti, (como) general, compete o comandar»;
b) valor temporal: «D. João de Castro, (quando) vice-rei da Índia, empenhou os cabelos da barba.»
c) valor causativo: «Paulinho, (porque) amigo, tirou-o da dificuldade.»
4. O que as gramáticas tradicionais e as propostas de análise linguística recentes não fazem é atribuir às orações adjectivas relativas explicativas (há quem lhes chame igualmente apositivas) a função de predicativo. Porquê? É que, enquanto a deslocação pós-verbal de certos adjectivos aparentemente explicativos ainda pode sugerir que são predicativos («os alunos, cansados, chegaram» = «os alunos chegaram cansados»)1, no caso das orações não acontece o mesmo:
i) «Os alunos, que são chatos, chegaram.»
ii) *«Os alunos chegaram, que são chatos.»
A frase ii) é claramente agramatical.
5. Diga-se de passagem que a função explicativa de «chatos», em «os alunos, chatos, chegaram», não é indicativa da função de predicativo do sujeito. Um constituinte é explicativo quando veicula informação adicional numa frase. Um predicativo do sujeito não corresponde a informação adicional, é antes o fulcro do conteúdo frásico.
6. Na frase «Os alunos, chatos, chegaram», a análise tradicional tem dificuldade em aceitar que «chatos» seja um aposto. No entanto, sabendo que um adjectivo pode ser recategorizado como substantivo, nada impede que, nesse quadro, se diga que «chatos» está substantivado na frase em apreço e tem a função de aposto, porque é uma elipse, por exemplo, de «uns chatos», ou da oração relativa explicativa «que são chatos», ou ainda de uma oração reduzida de gerúndio adverbial («sendo chatos»), equivalente a uma expressão circunstancial causal («porque chatos»; ver ponto 3). A frase deixa de ser problemática em perspectivas de análise que aceitam apostos adjectivais (ver ponto 2).
Sobre questões relacionadas com as orações subordinadas adjectivas relativas (restritivas ou determinativas e apositivas ou explicativas), aconselhamos o consulente, em primeiro lugar, a ler alguns dos Textos Relacionados. Além disso, como nos parece que quer fazer uma análise mais profunda sobre o valor sintáctico e semântico de tais orações, propomos-lhe, também, a leitura de um estudo realizado por Ana Maria Brito e Inês Duarte sobre a sintaxe das frases relativas, «Orações relativas e construções aparentadas», que corresponde ao capítulo 16 da Gramática da Língua Portuguesa (págs. 653-694).
1 Há restrições sobre a compatibilidade de chato com a função de predicativo do sujeito nos chamados predicados verbo-nominal («riu despreocupado»; «comeu muito triste»):
i) ?«Os alunos chegaram chatos.»
Se «chatos» fosse predicativo, era de esperar que se comportasse como cansado em ii), que é frase plenamente gramatical:
ii) «Os alunos chegaram cansados.»
É provável que estas compatibilidades dependam das propriedades semânticas dos adjectivos, mas não é aqui possível explorar o tema com maior profundidade.