O símbolo § provém da junção de dois ss, que resumem a expressão latina signum sectiōnis, que, literalmente, significa «sinal de secção» ou «sinal de corte».
Este símbolo serve no antigo direito romano para marcar o desdobramento dum texto normativo em normas.
Nos diplomas legais ou regulamentares dos países europeus ou europeizados no seu direito e sistema jurídico, inclusive nos países lusófonos, uma unidade normativa, normalmente, aparece designada como artigo.
Historicamente, em Portugal, o símbolo § não aparece escrito a iniciar um parágrafo ou a encabeçar uma norma, nem nas Ordenações Afonsinas, nem nas Ordenações Manuelinas, nem nas Ordenações Filipinas. Contudo, numa edição destas últimas Ordenações com notas remissivas, estas notas aludem aos números em que se dividem as Ordenações precedendo-os do sinal § ou §§ (por exemplo, § 1. ou §§ 3. e 4.; cf. imagem ao lado).
O Code des Français, geralmente conhecido como Código de Napoleão, faz encabeçar cada norma do mesmo com a palavra “article”, seguida dum número sequencial, e não divide qualquer deles em parágrafos (§§).
Em Portugal, os parágrafos marcados com o símbolo § aparecem pelo menos desde o século XIX – à esquerda e nunca por cima do trecho a que se referem, designando secções dum artigo, não o próprio artigo, que encima a norma. Como exemplo, que é hoje uma curiosidade ou arcaísmo sistémico, o Código Comercial, conhecido como Código de Ferreira Borges, aprovado por Carta de Lei de Dom Luís, “Rei de Portugal e dos Algarves, etc.”, de 28.06.1888, mantém-se ainda hoje em vigor (exceto na parte relativa às sociedades comerciais, que passou a fazer parte do Código das Sociedades Comerciais, código à parte aprovado pelo Dec.-Lei n.º 262/86, de 02.09.1986).
Quer dentro do texto normativo desse Código Comercial, quer dentro da dita Carta de Lei, aparecem artigos que não contêm parágrafos (§§), ao lado de outros artigos, em menor número, nos quais, abaixo do chamado corpo do artigo (ou caput) aparecem §§. São designados como § 1.º, § 2.º ou § 3.º. Se há um só parágrafo, é designado como § único. Os parágrafos (§§), inclusive o § único, continham matéria de exceção ou de particular especialização em relação ao corpo do artigo, no qual, habitualmente, morava o regime-regra.
O atual Código Civil português substituiu em 1 de junho de 1967 (em 1968 nas “províncias ultramarinas”) o chamado Código de Seabra, que vigorou até então durante um século (ver imagem à direita). Abundavam neste também os §§ e o § único.
Atualmente, nos códigos e leis avulsas de Portugal, cada norma, ressalvadas as vigentes com mais de 60 anos, é encimada pela palavra Artigo, sob a qual aparece uma epígrafe, de uma ou mais palavras, que resume a matéria da norma, sendo esta redigida sem números de desdobramento ou desdobrada em números, que como tais são designados.
O Código de Seabra, com os seus arcaicos §§, numerados ou designados como § único, está ainda hoje em vigor, parcialmente, nos territórios de Goa, Damão, Diu e Nagar-Aveli, subindo os seus trechos em língua portuguesa, quando seja caso disso por via de recurso, até ao Tribunal Supremo da União Indiana. Apesar dos seus parágrafos (§§), uma corrente de eminentes juristas indianos, durante décadas, depois da integração desses territórios na União Indiana, aparentemente por causa da sua sistematização paradigmática, bateu-se pela ideia de fazer desse código o trabalho preparatório de base para criação dum Código Civil Indiano.
Na Alemanha, o símbolo §, designado como Paragraph («parágrafo») ou como Gesetzesparagraph («parágrafo de lei»), significa «artigo», e não «parágrafo» (na imagem, Código Civil Alemão de 15/09/1935).
Também em esperanto, língua internacional neutra de planeamento interétnico ou interglóssico, a palavra portuguesa artigo, entendida como unidade normativa, de natureza legal ou regulamentar, é paragrafo, aparentemente para ser evitada a polissemia (as palavras artikolo e artiklo já têm significado próprio nesta língua).
Como curiosidade, na gíria académica da Faculdade de Direito de Coimbra, era, se já não é, corrente ser jocosamente alcunhado como «parágrafo único» o caloiro de pequena estatura.
P.S. – Este trabalho envolveu trabalho de pesquisa do meu colega de escritório dr. António Ferreira Borges, de Lisboa, e a ajuda empenhada do diretor da Biblioteca de Lisboa da Ordem dos Advogados de Portugal.