A questão colocada ilustra um caso de coesão referencial atípico.
A coesão referencial estabelece-se entre entidades que se se referem a outras no discurso. Estas entidades, designadas expressões referenciais, incluem pronomes pessoais e demonstrativos, entre outros. No texto, estas palavras funcionam de forma anafórica, ou seja, a sua significação depende de outras palavras, os seus antecedentes, como se observa em (1), onde se sublinha o antecedente e se coloca em itálico a expressão referencial:
(1) «O João é meu primo. Ele trabalha comigo.»
Quando se estabelece este tipo de relação, diz-se que as expressões destacadas são correferentes, isto é, designam a mesma entidade, pelo que formam uma cadeia referencial.
Todavia, no processo de coesão referencial, é possível assinalar situações peculiares, como a presente em (2):
(2) A turma B está a ter aula. Eles estão muito atentos.
Neste caso, embora não se verifique concordância entre «A turma B» e eles, existe correferência. Esta é construída a partir do conhecimento do mundo do falante que interpreta «A turma B» como um nome coletivo («conjunto de alunos») que o pronome eles retoma.
Outra situação ainda é a que se verifica no caso apresentado pelo consulente, que transcrevemos:
(3) «Fora das alentejanas, não sou muito de modas. Mas esta pode ser que abra novos caminhos ao cantochão daquela terra.» (Jornal de Letras, 10 a 23 de dezembro de 2014)
Neste caso, o pronome esta tem o seu referente na expressão nominal modas, mas entre eles não existe correferência. O nome Modas é apresentado como uma expressão genérica que se refere ao fenómeno em geral, enquanto o pronome esta se refere a uma entidade especifica («esta moda em concreto»).
Em síntese, no excerto textual em apreço, o referente do pronome esta é modas, mas estas expressões não são correferentes nem criam uma cadeia de referência.1
Disponha sempre!
1. Para um maior aprofundamento destas situações de coesão referencial, cf., por exemplo, Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1703-1705