Antes de se entrar propriamente no caso apresentado, importa debruçarmo-nos sobre a especificidade do verbo aborrecer, uma vez que dele depende a classificação do pronome o.
O verbo aborrecer apresenta diversidades de regência, dependendo do sentido em que é usado. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e o Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Luft, o verbo aborrecer é transitivo direto (o que implica a presença do complemento/objeto direto), quando usado na aceção de «sentir ou ter horror, nojo, tédio a (algo ou alguém); detestar; abominar», assim como «causar tédio ou fastio a; enfadar; enfastiar» ou «apoquentar; enraivecer; enfurecer». Por exemplo:
«Aquele tipo de discurso aborrece o meu amigo»/«Aquele tipo dediscurso aborrece-o.»
«O sedutor acabou por aborrecer aquela jovem.»/«O sedutor acabou por a aborrecer.»
«A futilidade da mulher aborrecia o marido.»/«A futilidade da mulher aborrecia-o.»
No entanto, Celso Luft alerta para a possibilidade de este verbo ocorrer, também, como transitivo indireto, do que se conclui que aborrecer pode pedir um complemento tanto direto (sob a forma dos pronomes o, a, os, as) como indireto (com os pronomes me, te, lhe, nos, vos, lhes), dependendo da forma das construções1. Repare-se nas seguintes frases:
«O estudo aborrece-o.»
«Aborrece-lhe o estudo.»
Centrando-nos, agora, no caso apresentado pela consulente:
Para procurarmos descodificar a frase «O que o aborrece no livro?», poderíamos substituir os dois pronomes o aí presentes, criando-se uma frase hipotética em que tais pronomes seriam substituídos pelas palavras/expressões que representam. Note-se que tais substituições implicam mudanças na posição de tais palavras/expressões na frase, uma vez que a colocação dos pronomes átonos se rege por normas distintas das dos outros casos. Portanto, as palavras/expressões que foram substituídas pelo 2.º pronome o serão colocadas após o verbo, posição distinta da proclítica (antes do verbo) em que o 2.º pronome o se encontra (o que se deve ao facto de se enquadrar numa oração subordinada, introduzida pela conjunção que). Assim, poder-se-á pensar numa frase do tipo:
«O/aquilo que (o) aborrece (o aluno/jovem/amigo/jornalista/professor/indivíduo/senhor) no livro?»
Nesta frase, o 1.º o é um pronome demonstrativo, porque tem o valor do pronome demostrativo invariável aquilo. Na frase, o/aquilo que (conjunção que representa o/aquilo) tem a função de sujeito.
Aborrece – verbo/predicado.
O (aluno/jovem/rapaz/amigo/jornalista/professor/indivíduo/senhor) – complemento/objeto direto.
1 Luft especifica que, «no português culto formal do Brasil, prefere-se a variante aborrecê-lo por causa da conhecida oposição o/lhe como “culto”/”vulgar” (cp. incomoda-o/lhe incomoda).