1. «.… se calha passarmos por eles»
Notemos que o verbo passar, devido à sua complementação, tem, nesta frase, o sentido de «cruzar», ou «cruzar-se com». Assim, a frase «se calha passarmos por eles» pode ser parafraseada por «se calha cruzarmos com eles». Mas o mesmo verbo, noutro contexto, assume um sentido totalmente diferente: «João, nesse dia, passou por poeta» equivale a «João, nesse dia, foi considerado poeta» – nada tendo, pois, que ver com «cruzar», ou «cruzar-se com».
Com verbos (e também com nomes) transitivos, o complemento impõe-se, semanticamente, aos termos que o selecionam. Submetidos sintaticamente, os complementos impõem o seu significado aos seus próprios dominadores. É a revolta dos complementos. Virá a propósito lembrar o que se passa com a palavra colheita, que nada tem de parecido quando comparamos a colheita da azeitona com uma colheita de sangue. São mesmo vingativos, os complementos.
Na frase «… se calha passarmos por eles», «por eles» é, já o vimos, um complemento – complemento preposicionado que deveríamos classificar semanticamente. Devido, porém, à dificuldade de caracterização circunstancial que, neste caso, como em muitos outros, se nos apresenta, sugerimos a classificação: complemento preposicionado, locativo, de referente pessoal.
2. «… saltam para cima de nós»
«Para cima de nós» é um complemento preposicionado regido pelo verbo saltar, e exprime o lugar para onde. Não é aconselhável fazermos uma análise intrassintagmática, isolando os constituintes «para cima» e «de nós» – que, semanticamente, não são separáveis. A frase até podia ser: «... e, se calha passarmos por eles, saltam-nos para cima.»
Notemos que as duas formas do SV (sintagma verbal) «saltam-nos para cima» e «saltam para cima de nós» são equivalentes: na primeira, «saltam-nos», há, no pronome pessoal, um complemento indireto não argumental, um dativo de interesse; na segunda, «para cima de nós», temos um complemento nominal (cima é um nome).
Consideramos, no entanto, que a sintaxe se deve ocupar, preferencialmente, com a análise da função dos sintagmas, deixando aos linguistas o papel de analistas das relações intrassintagmáticas.