A expressão é que não se emprega apenas para realçar constituintes de frases interrogativas («Quem é que falou?») e declarativas («Ele é que falou»). Ocorre também em começo de frase como articulador com valor explicativo, remetendo para as frases anteriores, como nos exemplos seguintes:
(1) (depois de declarativa) «Não é possível continuar assim. É que já são erros a mais.»
(2) (depois de interrogativa directa) «Posso usar o teu telemóvel? É que perdi o meu.»
Não encontro atestado este uso de é que nem em dicionários nem em gramáticas, mas no Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira, identifico ocorrências dessa expressão em textos portugueses e brasileiros; p.ex:
(4) «Tudo fora do tempo também (..) não é bom. É que à altura de chover, costuma-se a dizer que: " a inverno inverna do Natal nunca faltou "; mas este ano faltou.»
(5) «Até o Missionário da Alta Cruz, que padecia de cataratas e era um campeão em mistérios, até esse acabava por se perder na oração, perguntando se a estátua não teria realmente vida . É que lhe descobria certas expressões, de trazer episódios sagrados para animar o dia-a-dia dos mortais.» (José Cardoso Pires, A República dos Corvos, 1999)
(6) «Não: foi o olhar, apenas o olhar seguro do dr. Fernandes, ao lembrar-lhe, assim abruptamente, que ele já fizera jus a um aumento de ordenado, a uma melhoria de situação. É que esse olhar insinuativo estava-se rindo, lá muito atrás, muito imperceptivelmente, sob a brenha espessa dos cenhos [...] (Urbano Tavares Rodrigues, Os Insubmissos, 1976)
(7) «Não estou a lembrar-me.. — Compreendo a sua dúvida . É que se trata, na realidade, de uma figura cuja acção e grande prestígio se mantiveram restritos a certos meios e à região [...]» (Branquinho da Fonseca, Rio Turvo, 1945)
(8) «Mesmo lutando com alguns anticorpos na comunidade científica norte-americana, « dificilmente um investigador consegue resistir a um convite de Bill Gates», refere uma fonte da sede da Microsoft. É que, além das boas condições de trabalho oferecidas, junta-se um bom salário e um esquema aliciante de remuneração através de acções (texto jornalístico, 8/11/97)
Nos exemplos (4)-(8), vemos que é que inicia sempre uma frase que explica a precedente.
Quanto à posição do pronome átono (clítico) depois de é que em português europeu, os exemplos aqui transcritos apresentam quer a ênclise (ocorrência pós-verbal), como em (6) e (8), quer a próclise (ocorrência pré-verbal), como em (5) e (7). Como a palavra que, independentemente da sua classe morfossintáctica, acarreta a próclise noutros contextos, sem dúvida que é mais correcta a formulação seguinte, com próclise:
(9) «É que se trata do mesmo produto, só em duas modalidades: a cozida e a defumada.»
Assinalo, no entanto, que o Corpus do Português evidencia maior número de frases introduzidas por é que com pronomes átonos pós-verbais. Uma vez que a maioria de tais contextos provém de textos jornalísticos portugueses, ser-me-á certamente fácil afirmar que relevam de algum desleixo da comunicação social portuguesa.
Penso, não obstante, que também há boas razões semânticas, sintácticas e textuais para uma perspectiva diferente: como locução explicativa, é que não marca a subordinação de uma oração a outra, como acontece (ainda que historicamente) com o é que (chamado) enfático, que é atractor de próclise («O João é que se enganou»). Pelo contrário, o é que explicativo estabelece um nexo entre frases independentes (ver exemplos acima); e , apesar das propriedades de que, favorecedoras da próclise, a locução é que não requer próclise, como outras conjunções e locuções coordenativas, por exemplo, pois:
(9) «Mas talvez saibas (é da tua área, em sentido lato) porquê essa mistura de fiambre e presunto, pois trata-se do mesmo produto, só em duas modalidades: a cozida e a defumada.»
A frase (9) mostra que a conjunção coordenativa explicativa pois não atrai o pronome átono. Além disso, indica que pois pode permutar com é que, desde que se observe a seguinte alteração: as frases independentes «Mas talvez saibas...» e «é que trata-se...», discursiva e textualmente relacionadas por é que, passam a constituir uma frase complexa, quando ligadas por pois. Em suma, sugiro que é que, como pois, não exige a próclise do pronome átono.