A galé a que os bizantinos chamavam δρόμων (drómon) não era desconhecida entre os escritores latinos, como se demonstra por este passo de Isidoro de Sevilha (Etym. XIX, I, 14): Longæ naves sunt quas dromones vocamus [...]. Dromo autem a decurrendo dictus; cursum enim Græci δρόμον vocant («Há navios compridos a que chamamos dromones [...]. O nome dromo vem de serem rápidos, porque em grego δρόμων quer dizer “corrida”»).
O substantivo masculino dromo/dromonis vem abonado na generalidade dos dicionários latinos. Se este vocábulo tivesse entrado regularmente em português, por via popular, teria dado “dromão”, com o plural “dromões”, tal como leo deu origem a leão, com o plural leões, mas esta forma não se encontra atestada. No século XIII, porém, Afonso X, o Sábio (1221-1284), rei de Castela e Leão e avô do nosso D. Dinis (1261-1325), escrevendo em galaico-português, versejava assim:
«mais tragerei un dormon,
e irei pela marinha
vendend’ azeit’ e farinha;»
Sobre o tal dormon diz Rodrigues Lapa (1897-1989), em Cantigas d’escarnho e de mal dizer (2.ª ed. Vigo: Editorial Galaxia, 1970, p. 36), tratar-se de «barco pequeno, bergantim» e acrescenta (ibidem), sem explicitar a fonte grega, que o vocábulo «É um helenismo, e talvez seja erro, por dromon, ou até mesmo dornon.»
Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851-1925), debruçando‑se igualmente sobre o tema, referiu-se da seguinte forma à dita embarcação (Glosas Marginais ao Cancioneiro Medieval Português, Yara Frateschi Vieira, ed., et al. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2004, p. 110): «A palavra dormon, empregada por Afonso X para um tipo de barco de carga a vela, só foi comum na Península, como em todas as partes, na Idade Média.» Em nota de pé de página (ibidem), explicita o étimo grego δρόμων e indica a referência a Isidoro de Sevilha, sem citar o respetivo trecho.
Num passo anterior (ibidem, p. 168), reportando‑se a «um dos súbditos do rei de Leão e Castela», escrevera a autora: «Ele anseia pelo mar, uma fresca brisa marinha, um bom galeão, e um dromone, que navegue a direito e no qual possa levar as suas mercadorias de porto a porto.» Ficamos sem saber se se trata da mesma embarcação, e porque a terá a autora escrito desta forma, em itálico...
Seja como for, é certo que o tipo de embarcação a que os bizantinos chamavam δρόμων sofreu várias modificações e adaptações ao longo dos séculos. Remeto o leitor interessado para a monumental obra Mare Nostrum. Les infrastructures, le dispositif et l’histoire de la marine militaire sous l´empire romain, da autoria de Michel Reddé, arqueólogo e historiador, diretor pedagógico da École Pratique des Hautes Études (EPHE). Nesta obra de vasta erudição, publicada em 1986 e disponível em linha, o autor supedita profusos pormenores históricos e técnicos sobre a referida embarcação, incluindo várias citações latinas referentes à mesma.
Quanto ao aportuguesamento deste vocábulo, creio não poder dar uma resposta taxativa. Julgo não fazer qualquer sentido ressuscitar o termo medieval, até porque, em princípio, não se trata do mesmo tipo de embarcação. A forma “dromão”, derivada do acusativo latino, justificar‑se‑ia em termos teóricos, mas na prática não me parece aconselhável. Como alternativa, restar‑nos‑ia derivar o nosso vocábulo do nominativo latino, o que, embora pouco frequente, tem alguns precedentes no nosso idioma (deus, Cícero, cólon, Nero, entre outros). Do nominativo dromo derivar‑se‑ia então “dromo”, como, aliás, sugere o consulente. Esta forma, porém, aparece registada nos dicionários com outra aceção, pelo que talvez fosse preferível derivar o vocábulo diretamente do grego e grafar “drómon”, à semelhança de árgon e xénon. Ao que parece, esta forma, embora os dicionários normalmente não a registem, também se usava como nominativo latino, a fazer fé no colossal Lexicon totius latinitatis, da autoria do filólogo italiano Egidio Forcellini (1688-1768), em cujo segundo volume, no respetivo verbete, se pode ler o seguinte (p. 200): legitur et dromon in recto casu («também se usa a forma dromon no nominativo»). Sendo assim, a forma “drómon” justificar‑se‑ia duplamente (diretamente do grego ou por via do latim), pelo que, de todas as apontadas, é a que merece a minha preferência. No entanto, importa não esquecer que deverá grafar‑se com o respetivo acento agudo, de acordo com as regras de acentuação em vigor.
No que toca à segunda galé, que os bizantinos denominavam χελάνδιον (chelándion), era conhecida em latim medieval por chelandium. Este vocábulo não figura no já referido Lexicon totius latinitatis, mas está abonado no Glossarium mediæ et infimæ latinitatis, do filólogo francês Charles du Fresne (1610-1688), mais conhecido por Du Cange. No segundo volume desta obra (p. 301), figuram também as variantes chelandrium, chelindrus, salandra e salandria, menos conhecidas. Neste caso, o aportuguesamento não oferece quaisquer dúvidas e deverá ser quelândio, como aponta, e bem, o nosso consulente.