Tem razão o nosso consulente: o vocábulo demofobia, ainda pouco dicionarizado, exprime um conceito mais geral, conforme se depreende da definição que lhe dá o dicionário digital Michaelis: «Aversão, inimizade ao povo.»
Num interessante artigo, intitulado Populismo e demofobia, o jornalista António Guerreiro, a propósito na situação na Grécia, escreve que «Se existe populismo, é lógico que exista o seu contrário, a demofobia, que se traduz, entre outras coisas, numa atitude que minimiza ou lança o descrédito sobre o voto dos cidadãos [...]». Em bom rigor, não se pode considerar que a demofobia exprima uma atitude contrária ao populismo, pois este, como sabemos, redunda frequentemente em prejuízo do povo e em benefício exclusivo do populista, que se aproveita do seguidismo da multidão. O antónimo de demofobia, mais propriamente, é demofilia («amor pelo povo»), um vocábulo pouco usual, tal como o conceito que lhe está associado...
No Grande Dicionário da Porto Editora, estranhamente, falta o vocábulo demofobia, mas figura o substantivo demófobo, corretamente definido como «aquele que é inimigo do povo; antidemocrata» (p. 446).
Considero errónea a definição de demofobia que figura no dicionário Priberam («Aversão a ou fobia de multidões»), tal como a que pode ler no respetivo artigo da Wikipédia («temor obsessivo de multidões»). Na verdade, este vocábulo baseia-se no grego δῆμος (dêmos), que quer dizer «povo» e não «multidão». A aversão a multidões exprime-se pelo vocábulo oclofobia (que também figura no referido artigo da Wikipédia, como sinónimo de demofobia), baseado no grego ὄχλος (ókhlos), «multidão»...
A noção de aversão ao próprio povo, ou seja, à pátria, exprime-se pelo vocábulo patriofobia, ainda pouco dicionarizado, mas corretamente formado. O referido Michaelis digital define-o como «Qualidade de patriófobo», e a patriófobo, que considera apenas substantivo, atribui o significado de «Aquele que tem aversão à pátria». Já o dicionário digital Aulete define diretamente patriofobia como «aversão à própria pátria» e, com toda a propriedade, considera patriófobo como adjetivo e substantivo, definindo-o da seguinte forma: «que ou o que tem patriofobia». O Grande Dicionário da Porto Editora, por seu lado, apresenta o vocábulo patriófobo (p. 1164), considera-o adjetivo e substantivo, atribui-lhe o mesmo significado («que ou aquele que tem aversão à sua pátria»), mas omite patriofobia...
O nosso vocábulo figura igualmente na lista de fobias da Conscienciopédia, onde é definido por «Aversão à pátria».
Norberto do Vale Cardoso, numa palestra intitulada “Pós-colonialismo e discursos de resistência na Legião de António Lobo Antunes”, apresentada no X Colóquio de Outono Comemorativo das Vanguardas – Universidade do Minho 2009/2010 e disponível aqui, fala mesmo da «patriofobia lobo-antuniana», que encontra «presente em Judas, adensada em Boa Tarde» e que considera não ser «mais do que uma forma de denúncia da gigantomaquia nacional, um esvaziamento de uma ilusão, e a assunção da dispersão».
O vocábulo existe também em castelhano, como se depreende deste artigo de Ricardo Carreras, especialista em redes sociais, que explica o conceito aplicado à realidade espanhola lamentando também a falta de dicionarização.
Na literatura da especialidade, não faltam igualmente referências ao vocábulo e ao conceito, como neste artigo, intitulado Teoria patriotyzmu i terminologia patriologiczna («Teoria do patriotismo e terminologia patriológica»), da autoria do pedagogo polaco Marek Mariusz Tytko (n. 1967), que define patriofobia como fobia na patriotyzm («fobia ao patriotismo») acrescentado que se trata de negatywne nastawienie do patriotyzmu jako miłości Ojczyzny («atitudes negativas em relação ao patriotismo enquanto amor à Pátria»).
Resumindo, pode o consulente empregar o termo patriofobia à vontade, que vai bem secundado, mas recomendamos-lhe que não cultive o conceito...