A frase em questão – «Um ou outro aluno, um ou outro professor, não compareceu (compareceram) à solenidade – coloca-nos perante duas situações, previstas e analisadas por Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, págs. 494-512): a da presença de mais de um sujeito e a da concordância do verbo com a expressão um ou outro, empregada, aqui, como pronome adje(c)tivo.
Se nos debruçarmos para o primeiro caso – o da presença de mais de um sujeito («um ou outro aluno, um outro professor») – esta frase remete, por sua vez, para duas situações: a das REGRAS GERAIS e a dos CASOS PARTICULARES.
De acordo com as REGRAS GERAIS previstas para os casos de mais de um sujeito, «o verbo vai para o plural» e «quanto à pessoa irá […] para a 3.ª pessoa do plural, se os sujeitos forem de 3.ª pessoa:
Mestre Gaudêncio curandeiro, seu Libório cantador, o cego preto Firmino e Das Dores exigiram a história dos tatus, que saiu deste modo.
(Graciliano Ramos, AOH, 76)»
Seguindo esta regra, o verbo deveria, então, ser colocado na 3.ª pessoa do plural, uma vez que os dois sujeitos («um outro aluno», «um outro professor») são de 3.ª pessoa.
No entanto, esta frase também pode ser incluída nos CASOS PARTICULARES em que a concordância é feita com o sujeito mais próximo, uma vez que estamos perante um caso de enumeração, uma das condições que prevê este tipo de concordância, que é feita à semelhança do que está previsto para os casos dos adjectivos. Citando Cunha e Cintra (op. cit., pág. 505), «[…] o adjectivo que modifica vários substantivos pode, em certos casos, concordar com o substantivo mais próximo. Também o verbo que tem mais de um sujeito pode concordar com o sujeito mais próximo:
a) quando os sujeitos vêm depois dele:
[…]
Habita-me o espaço e a desolação.
(Vergílio Ferreira, A, 24)
[…]
b) quando os sujeitos são sinónimos ou quase sinónimos:
A conciliação, a harmonia entre uns e outros é possível.
(Augusto Abelaira, NG, 178)
[…]
O amor e a admiração nas crianças compraz-se dos extremos.
(Aquilino Ribeiro, CRG, 86)
c) quando há uma enumeração gradativa:
A mesma coisa, o mesmo acto, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos.
(Monteiro Lobato, N, 4)
O grotesco, o pobre, o sem forças, era triturado agora na pressão dessa grande cidade, ininterrupta de gente, de casos que profundamente a excluíam.
(Agustina Bessa Luís, AM, 54)
d) quando os sujeitos são interpretados como se constituíssem em conjunto uma qualidade, uma atitude:
A grandeza e a significação das coisas resulta do grau de transcendência que encerram.
(Miguel Torga, TU, 63)
Morro, se a graça e a misericórdia de Deus me não acode.
(Camilo Castelo Branco, CE, 40)
De acordo com esta outra indicação, que tem em conta o caso particular da enumeração dos sujeitos, o verbo pode ser colocado no singular, concordando, assim, com o sujeito mais próximo («um outro professor»).
Por outro lado, esta frase contém também a expressão um ou outro, que, segundo os linguistas citados (op. cit., pág. 509), quando empregada «como pronome substantivo ou como pronome adjectivo, [exige] normalmente o verbo no singular:
Um ou outro porco era cevado e as salgadeiras de Corrocovo suavizaram o Inverno.
(Carlos de Oliveira, CD, 96)
Só um ou outro menino usava sapatos; a maioria, de tamancos ou descalça.
(Gilberto Amado, HMI, 57)
Concluindo: qualquer uma das hipóteses apresentadas pelo consulente é legítima, pois quer a forma plural, quer a singular estão previstas pelos linguistas:
– a 1.ª hipótese, que propõe a forma «compareceram», segue a REGRA GERAL, que determina o uso do verbo na 3.ª pessoa do plural, porque os dois sujeitos são de 3.ª pessoa;
– a 2.ª hipótese, que prevê o singular «compareceu», tem em conta os casos particulares, considerando a presença de uma enumeração gradativa nos dois sujeitos, o que permite a concordância com o sujeito mais próximo («um outro professor») que, por sua vez,
se situa num caso específico – com a presença da expressão um ou outro como pronome adjectivo –, caso este que exige o verbo no singular.
De facto, a frase apresentada confronta-nos com muitas realidades da língua, e o consulente apercebeu-se disso! Parabéns!