Não há sujeito impessoal na frase em apreço, porque é óbvio que entre «migalhas» e «pão» se há-de encontrar o sujeito. Outra coisa é reconhecer esse sujeito, porque a natureza identificacional ou equativa da frase dá azo a análises nem sempre convergentes.1
Contudo, existe consenso quanto à concordância do verbo com a expressão nominal que esteja no plural, mesmo que esta ocorra em posição pós-verbal: «isto são migalhas» ilustra bem esse preceito.
Por outro lado, embora seja aceitável que o verbo concorde com a expressão no singular, Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português, pág. 502) apenas dão exemplos em que tal expressão é realizada por um pronome indefinido (tudo) ou um pronome demonstrativo (isto) e ocupa o começo da frase, aparentemente2 realizando o sujeito: «Tudo era os estudos, brincadeiras» (Luandino Vieira, Velhas estórias, 1976, pág. 49). Os referidos linguistas explicam que com a concordância no singular se procura «realçar um conjunto, e não os elementos que o compõem, a fim de sugerir-nos as diferentes realidades transformadas numa só coisa» (idem). No entanto, não mencionam estruturas como «os estudos era tudo», a não ser quando estipulam que o verbo ser fica no singular com expressões numéricas (idem): «Cem euros é pouco.»
Voltando à frase em causa, considero que estando «migalhas» no plural e à cabeça da frase, na posição que normalmente é a do sujeito, mais se impõe, pelo menos na norma-padrão, que o verbo esteja igualmente no plural e se diga «migalhas são pão». Sem embargo, porque a descrição de Cunha e Cintra sugere que o verbo no singular é possível em certos casos, mesmo que o sujeito esteja no plural, a frase «migalhas é pão» acaba por constituir um caso-fronteira, de aceitabilidade limitada a certos registos linguísticos, como seja o popular, e a certas sequências como os provérbios, que fixam idiomaticamente arcaísmos e anomalias.
1 Uma frase identificacional ou equativa é constituída por duas expressões nominais cujo núcleo é um substantivo (comum ou próprio) e que estão ligadas pelo verbo ser: «O primeiro rei de Portugal foi Afonso Henriques.»
2 Digo «aparentemente», justamente porque nas frases identicacionais nem sempre é fácil distinguir o sujeito do predicativo do sujeito.