Seria possível classificar os textos em apreço como «coleções» ou «coletâneas», mas, o Decâmeron e o livro de John Le Carré constituem conjuntos de contos cuja sequência de fundo é garantida por eventuais personagens ou acontecimentos. Trata-se, afinal, de várias histórias, que acabam por, de alguma forma, e de acordo com a estratégia narrativa, estar ligadas entre si. Deste modo, chamar-lhes «coletâneas de contos» será talvez demasiado redutor.
De facto, a questão apresentada pelo consulente prende-se com aquilo a que, na área dos estudos literários, se chama «estratégia narrativa», definida, por exemplo, por Carlos Reis e Ana Cristina Macário Lopes, no Dicionário de Narratologia (Almedina, 1994, pp. 142-144), como «uma atitude ou conjunto de atitudes organizativas, prevendo determinadas operações, recorrendo a instrumentos adequados e opções táticas precisas, com intuito de se atingir objetivos previamente estabelecidos [...]».
Neste sentido, o professor alemão Wolfgang Iser (O Ato da Leitura: uma teoria do efeito estético, São Paulo, 1996) explica que «As estratégias organizam simultaneamente o material do texto e as condições em que ele deve ser comunicado. [...] Elas envolvem a estrutura imanente do texto e os atos de compreensão desse modo suscitados no leitor».
Assim, falamos aqui de estratégias e de opções narrativas, e não propriamente de tipologias textuais, envolvendo eventualmente nomenclaturas próprias. Aliás, o tipo de estratégia narrativa enunciada pelo consulente encontra paralelo noutras artes, como por exemplo no cinema, onde um dos exemplos mais interessantes, do meu ponto de vista, talvez seja Magnólia (1999), do norte-americano Paul Thomas Anderson.
Compreendo a angústia do leitor (universo no qual eu naturalmente me incluo) plasmada na necessidade de compartimentar estilos e géneros, porém, como muito bem notou o professor romeno Matei Călinescu (As 5 Faces da Modernidade, Vega, 1999), o esbatimento de fronteiras entre os géneros, e a consequente fluidez genológica, é uma das marcas incontornáveis da chamada literatura pós-modernista. O escritor português António Lobo Antunes, por exemplo, deixa bem claro, logo na página de abertura do seu livro de 2000, Não entres tão depressa nessa noite escura, que o leitor se encontra perante um longo poema (e não perante um romance, como talvez fosse de esperar) de cerca de 700 páginas.