Segundo José Pedro Machado, e tendo como base documentos medievais, «a forma antiga [do verbo ler] era leer, em 1258-1261: “mandóó léér ante si... fezeron léér antel a carta...”, Andrés Martinez Salazar, Documentos gallegos de los siglos XIII al AVI, pp. 33, 40, 41» (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa).
De facto, não encontrámos nenhum registo do infinitivo do verbo ler com acento circunflexo, mesmo nos vocabulários ortográficos mais antigos (Vocabulário Ortográfico e Ortoépico da Língua Portuguesa, de A. R. Gonçálvez Viana, 1909; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, 1940; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, 1966). No entanto, é de referir que há algumas formas da conjugação do verbo ler que têm acento circunflexo1 – lês (2.ª pess. sing. do pres. ind.) e lê (3.ª pess. sing. pres. ind. e 2.ª pess. sing. do imper.) –, tendo sido retirado esse acento à 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo2 – do que resulta a recente forma leem – pelo novo acordo ortográfico.
Note-se que essa forma antiga leer resulta da aférese (queda de um fonema no meio de uma palavra) do g e da apócope (queda do e final) do seu étimo latino «lĕgĕre, "recolher, apanhar; enrolar, enovelar, apanhar e esconder, tirar, roubar; percorrer (um lugar); escolher; captar com os olhos, passar pela vista; ler em voz alta"» (idem).
A diversidade de sentidos do étimo latino levou José Machado a explicar a evolução semântica deste verbo, compartilhando a tese de Ernout-Meillet de que não é clara a sua evolução até atingir o de «ler».
Relativamente ao advérbio cedo, «do latim cĭto, “depressa; facilmente», já aparece registado num documento do séc. XIII com a forma atual (sem acento circunflexo): «Mais pois que ss’ar[r]epentiu / a monja e se partiu / do cavaleiro mui cedo», Sta. Maria, n.º 94, vol. I, p. 270» (idem).
No entanto, a palavra cedo não se restringe ao advérbio, porque há a forma homónima – da 1.ª pessoa do singular do presente do indicativo da conjugação do verbo ceder (fazer cedência; conceder; renunciar; desistir), cuja etimologia remete para o «latim cĕdo, is, cessi, cessum, cedĕre, “ir, vir, caminhar, ir-se embora, retirar-se; fazer cessão de bens, renunciar à posse, ceder o lugar a”».
Da pesquisa realizada, não encontrámos registo de formas grafadas com o acento circunflexo. De qualquer modo, se tal aconteceu, dever-se-á decerto ao facto de o e de cedo ser fechado (o que poderia levar a que se quisesse registar a pronúncia exata da palavra).
1 A acentuação destas formas com acento circunflexo está prevista, também, no novo acordo ortográfico: «a) As palavras oxítonas terminadas nas vogais tónicas/tônicas fechadas que se grafam -e ou -o, seguidas ou não de -s: cortês, dê, dês (de dar), lê, lês (de ler), português, você(s); avô(s), pôs (de pôr), robô(s)».
2 O ponto 8 da Base IX estipula o seguinte: «Prescinde-se de acento circunflexo nas formas verbais paroxítonas que contêm um e tónico/tônico oral fechado em hiato com a terminação -em da 3ª pessoa do plural do presente do indicativo ou do conjuntivo, conforme os casos: creem, deem (conj.), descreem, desdeem (conj.), leem, preveem, redeem (conj.), releem, reveem, tresleem, veem.»