Num momento particular do reinado de D. João V, que perceberemos final, quando as minas brasileiras animam ainda o esplendor do Portugal barroco, há, nos órgãos de poder e no seio da Igreja, um movimento surdo contra o clero, a nobreza e o alto funcionalismo, encabeçado por técnicos, burgueses em ascensão, etc., que, inspirados pelo Iluminismo europeu, designamos por «estrangeirados». Além do desenvolvimento técnico que requerem para o país, apostam na frente doutrinária, económica e pedagógica, encontrando num 'estrangeirado' peculiar, Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro primeiro-ministro de D. José, o executor de algumas das medidas propostas. As novas preocupações científicas, ao menos nos seus pressupostos metodológicos, investem contra excessos formalistas e vazios e procuram a normatividade, o racional, nas manifestações do gosto, de que são mostras críticas à literatura anterior e, mesmo, a Os Lusíadas, ou interesse redobrado pela gramaticologia. A Arcádia Lusitana (1756), entre as arcádias mais importantes, convém na recuperação neoclássica, acrescentando-lhe certo realismo burguês, em que os seus membros se embeberam. Estranho é que, enquanto se afirma o quotidiano, estes imitadores dos Antigos cedam às convenções de alguns géneros e formas, como no caso do pastoril ou das odes comemorativas, tão ousados na abolição da rima como ilegíveis na aspereza do verso ou na multidão de referências obscuras. Assim eram esses filhos maioritariamente da magistratura e do novo funcionalismo, em que o horacianismo era mais no verso que na conduta.
Quanto a Bocage: ele representa o improviso, ou repentismo, no verso e na vida; um «drama em gente», para lá do que possa ter decalcado sobre Camões; a insubmissão do pensamento. Divinizado pela poesia, que é um «dom», entre paradoxos e extremos, o lodo e as alturas, o excelente latinista e tradutor cedeu, também, às secas musas da Arcádia (em odes, canções, cantatas, idílios, e muita mitologia), enquanto vertia em sonetos de Iluminista uma subjectividade dorida que no-la diz proto-romântico. Sobre a sua centralidade e descendência, escrevemos longamente nos artigos «Elmanismo» e «Filintismo», em Cultura Literária Oitocentista, Porto, 1999.