A poesia não é o tipo de texto mais propício à identificação de estruturas gramaticalmente prototípicas, uma vez que ele obedece a, ou tem subjacente, uma criatividade literária ou artística, que justifica, em nome do estilo, situações de fuga à lógica gramatical que noutras situações seriam indesculpáveis. Vejam-se, por exemplo, as frases de Bernardo Soares, no Livro do Desassossego: «Quantos sou? Quem é eu?»
No entanto, no exemplo em apreço, estamos perante uma estrutura que, pelo menos em parte, ocorre com alguma frequência em frases como «Se te digo isto, não é porque te queira mal, mas porque sou teu amigo».
Tentemos, então, a análise dos versos em causa:
«Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,/mas porque a amo, e amo-a por isso.»
Oração subordinante: «não é porque saiba o que ela é»
Porém, esta subordinante é algo complexa: efectivamente, estamos perante uma oração com um verbo copulativo, na qual o predicativo do sujeito é uma oração causal, cujo verbo, por sua vez, se constrói com uma completiva, que, neste caso, é uma relativa sem antecedente. Assim, a oração «não é porque saiba o que ela é» tem a seguinte estrutura interna:
Subordinante – «não é»
Predicativo do sujeito – «porque saiba»
Subordinada substantiva completiva – «o que ela é»
Esta oração subordinante está coordenada a outra – «mas porque a amo» –, que também tem a sua complexidade, uma vez que a oração coordenada tem o verbo elidido, tendo o predicativo do sujeito expresso: «mas [é] porque a amo». Note-se o paralelismo, ainda que contrastivo, entre esta estrutura coordenada: «Não é por isto, mas é por aquilo»… Toda ela tem associada, ainda, uma copulativa parentética que serve de comentário-síntese: «e amo-a por isso». Esta copulativa parentética retoma, em quiasmo (estrutura do tipo xy-yx), as duas coordenadas, estando a segunda representada pelo demonstrativo isso. Veja-se:
Não é porque saiba o que ela é – mas porque a amo
E amo-a – por isso
Subordinada condicional: «Se falo na Natureza»
Esta subordinada condicional associa ao valor de condição um valor temporal, paradoxalmente abstracto, ou seja, é um valor temporal impregnado de uma boa dose de intemporalidade. O se poderia, com efeito, ser substituído por quando, ou por sempre que, ou, pura e simplesmente, não estar presente: «Falo na Natureza não porque saiba o que ela é,/mas porque a amo, e amo-a por isso.»
Sintetizando:
Oração subordinante: «não é porque saiba o que ela é»
Subordinante – «não é»
Subordinada/predicativo do sujeito – «porque saiba»
Subordinada completiva ligada ao verbo saber – «o que ela é»
Subordinada condicional (de valor temporal): «se falo na natureza»
Coordenada adversativa ligada à subordinante: «mas porque a amo»
Subordinante – elipse do verbo (é)
Subordinada/predicativo do sujeito – «porque a amo»
Coordenada copulativa parentética (que tem como primeiro bloco coordenado as duas coordenadas adversativas) – «e amo-a por isso»
Note-se ainda o valor hipotético da causal predicativo do sujeito, realçado pelo uso do conjuntivo saiba.
P. S.: Agradeço à professora Gabriela Matos a ajuda na interpretação sintáctica desta frase.