«Muitos mortos» é o complemento directo da frase «Muitos mortos houve», e não sujeito, pois o verbo haver é impessoal (na acepção de «existir»). Segundo a gramática tradicional, os verbos impessoais, usados invariavelmente na 3.ª pessoa do singular, não têm sujeito (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 13.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 1997, p. 447).
Para além da especificidade deste tipo de verbo, é de referir que todo o verbo/predicado concorda com o sujeito da frase (quando o há) e, neste caso, não há dúvida de que não há qualquer legitimidade numa hipotética classificação de «muitos mortos» como sujeito de «houve».
Uma vez que a consulente faz referência ao sujeito nulo expletivo, importa lembrar a especificidade deste conceito, pois não pode ser confundido com a função de «muitos mortos». Segundo o Dicionário Terminológico, sujeito nulo é aquele que «não tem realização gramatical», e nos casos em que o «sujeito nulo pode não ter qualquer interpretação, como em (iii), [é] designado de expletivo:
(iii) [-] Choveu muito. [-] Há neve naquela montanha.»
No âmbito da investigação linguística actual, surge a noção de sujeito expletivo (também denominado gramatical, aparente ou vazio) para os casos em «que, noutras línguas, têm realização gramatical, marcando posição em construções com verbos impessoais (compare-se Chove torrencialmente com It rains cats and dogs), com verbos de elevação (compare-se Parece que o João já chegou com It seems John has already arrived), com sujeitos frásicos extrapostos (compare-se Surpreende-me que o João tenha chegado atrasado com It surprises me that Jonh came late) e em construções existenciais (compare-se Há três janelas na sala com There are three windows in the room) são sempre foneticamente nulos» (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, 5.ª ed., Lisboa, Caminho, 203, p. 282). Assim, este sujeito expletivo representa a 3.ª pessoa do singular, que, assim, não fica, na nossa língua, foneticamente marcada. Corresponde, portanto, às formas it ou there (inglesas) e il (francesa), como se pode depreender a partir das seguintes frases e respectiva tradução:
Il y a beaucoup de jeunes à la Fac.
There are many young people in college.