DÚVIDAS

A pronúncia de -em final em Portugal

Acabo de ver, por acaso, a vossa resposta n.º 17 034 e gostaria de manifestar minha estranheza pelo facto de este site, sistematicamente, impor a pronúncia do chamado português europeu padrão (baseado na pronúncia de Lisboa), obliterando as outras realizações de pronúncias da língua portuguesa. Estou a falar, neste caso concreto, da pronúncia do ditongo escrito em que é só (e apenas só) na região de Lisboa que tem a pronúncia [ɐ̃j]. No resto de Portugal, não é pronunciado assim e em outros países de expressão portuguesa (como meu caso) também não. Por isso, eu acho estranho que o Ciberdúvidas não alerte que em outras variantes do português palavras como «têm, veem, vêm, deem, etc.» não são pronunciadas com dois ditongos, um a seguir ao outro ['ɐ̃jɐ̃j], mas são pronunciadas com uma vogal seguida de um ditongo ['eẽj].

Espero ter, humildemente, dado um contributo com esta pequena chamada de atenção e que eu esteja enganado ao pensar que o Ciberdúvidas quer «impor» a pronúncia lisboeta a não lisboetas e a não portugueses.

Resposta

Quando se fala da norma-padrão de Portugal, os estudos gramaticais e linguísticos consideram geralmente que a pronúncia do ditongo grafado -em/-ém ou -ens/-em é a mesma do ditongo que ocorre na palavra mãe. Assim afirmam Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, 49): «[ãj]: correspondente às grafias ãe, ãi e, no português normal de Portugal em (em posição final absoluta) e en (no interior de palavras derivadas): mãe, cãibra; no português normal de Portugal: vem, levem, benzinho1

Não se trata, portanto, de uma imposição do Ciberdúvidas, mas antes de um aspeto que se considera característico da língua-padrão, a qual, por definição, exclui outras possibilidades e outras realizações de um mesmo sistema linguístico.

Apesar disso, é verdade que não se pode esquecer o facto de, a respeito dos ditongos nasais representados pelas grafias já indicadas, existir variação, como, aliás, se refere numa resposta anterior (nota 1). Deve, portanto, tomar-se devida nota da observação do consulente, que, do ponto de vista dialetal, tem toda a pertinência não só em relação ao Brasil, mas também aos falares de Portugal (regionalmente), Angola, Moçambique e de outros países.

1 É o que se afirma em A Pronúncia do Português Europeu (2006), disponível em linha nas páginas do Instituto Camões: «No Português Europeu considera-se que o dialecto da região que abrange Lisboa e Coimbra tem o estatuto de norma-padrão.»

2 Apresenta-se aqui como [ã] o símbolo usado por Cunha e Cintra, um α com um til sobreposto, que aqui não se consegue reproduzir.

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