Por enquanto, não sabemos se conseguiremos identificar a primeira ocorrência de currículo na acepção que o consulente refere. Trata-se de uma tarefa que requer investigação exaustiva, o que idealmente implica ter toda a documentação disponível, não só constituída por dicionários ou outro material descritivo mas também por uma amostra representativa dos textos da época em que se estima ter surgido a palavra.1
De dois dicionários etimológicos de que disponibilizamos, um deles (o Dicionário Etimológico de José Machado) nem sequer apresenta o vocábulo; o segundo, de Antônio Geraldo da Cunha, refere só «séc. XX», sem mais. Entre os dicionários gerais com informação etimológica, o Dicionário Houaiss, em relação a currículo enquanto «documento que reúne dados sobre a vida pessoal, académica e profissional de um indivíduo», remete para o já referido dicionário de Antônio Geraldo da Cunha; a respeito de currículo como «acto de correr», «atalho» e «programação total ou parcial de um curso ou de matéria a ser examinada» (regionalismo brasileiro), o referido dicionário remete para a 1.ª edição, de 1899, do Novo Diccionário da Língua Portuguesa, do lexicógrafo português Cândido de Figueiredo. De facto, parece ser assim, pelo menos, a julgar pela consulta que fizemos do dicionário de Cândido Figueiredo, na sua 3.ª edição de 1922, onde se consigna a forma currículo nas acepções de «acto de correr»», «curso», «atalho» e ainda, como brasileirismo, «parte de um curso literário». O Diccionario da Lingua Portugueza, de Fernando Mendes e publicado em 1904 em Lisboa, grafa a palavra como "corrículo" (estamos no período anterior às reformas iniciadas em Portugal em 1911), mas apenas no sentido de «acção de correr; curso», sem nenhuma referência à semântica brasileira da palavra. Nada pudemos apurar acerca da atestação da palavra na lexicografia brasileira contemporânea dos dicionários portugueses consultados.
Apesar de tudo, verificámos que currículo, com qualquer dos significados indicados, não tem entrada em dois dicionários anteriores ao de Cândido de Figueredo; são eles O Novo Diccionario Critico e Etymologico da Lingua Portugueza (Paris, 1844), de Francisco Solano Constâncio, e o Diccionario Portuguez (Porto, 1871), de Frei Domingos Vieira. Tal ausência pode sugerir que a palavra só terá mesmo surgido como termo relativo ao contexto escolar em finais do século XIX, mas, como dissemos inicialmente, será necessário fazer muito mais pesquisa, sobretudo em textos da época ligados ao ensino.
Refira-se, por último que a forma currículo, na acepção de «carro de corrida puxado por cavalos», encontra-se atestada mais cedo. Por exemplo, no Corpus do Português, de Michael J. Ferreira e Mark Davies, a mais antiga ocorrência de currículo tem este sentido. É da autoria de Almeida Garrett e encontra-se no Arco de Sant´Ana, de 1845; passamos a transcrever o respectivo contexto:
«Muitas vezes chega a dita manhã, o ministro almoça, mete-se na sege de aluguel, vai para a sua secretária mui tranquilamente, seguido do seu lictor posterior, que choita ministerialmente no rocim oficial detrás do currículo excelentíssimo — chega ao Terreiro do Paço e acha a bernarda acampada ali com outros ministros já feitos [...].»
1 Agradeço a colaboração de Gonçalo Neves, também consultor de Ciberdúvidas.