«Ir bugiar» («afastar-se para não importunar») é uma expressão popular portuguesa que remonta ao séc. XIII, segundo o Dicionário das Origens das Frases Feitas, de Orlando Neves (Lello & Irmãos Editores, Porto):
«No século XIII, Nuno Treez poetava, em poema incluído
no “Cancioneiro Colocci-Brancuti”, hoje “Cancioneiro da Biblioteca Nacional”:
“Em mi tolher meu amigo
filhou comigo perfia,
por end ardera, vos digo,
ante el lume de bogia...”
Aqui, “bogia” é uma simples vela de sebo.
Mas diz Gil Vicente no “Auto da Mofina Mendes”:
“Senhora, não monta mais
semear milho nos rios,
que queremos por sinais
meter coisas divinais
na cabeça dos bugios.”
Aqui, “bugio” significa “macaco”.
Quando o último rei mouro de Granada, Boadbil, perdeu o trono, foi exilado para Bugia, cidade argelina onde, segundo certas informações da época, os espanhóis encontraram grande número de macacos.
Ainda Gil Vicente, no “Auto Pastoril Português”, escreve:
“Vai, vai, Joana, bugiar,
não andes com o alpavardo.”
Jorge Ferreira de Vasconcelos, no seu “Ulysippo: “E dirvosei amigo Barbosa, porque saibais onde a bogia tem o rabo, e de que pé me calço.”
Finalmente, Camões no “Auto de El-Rei Seleuco”:
“Haveis isto de acabar.
Coração, hi bugiar.”
Com uma certa insistência, lê-se, em outros textos, que a frase provém do nome de um engenho, o “bugio”, que servia para afincar as estacas e que esteve em uso quando, no tempo de Filipe II, se construiu o forte do Terreiro do Paço. Porque o terreno era alagadiço, os fundamentos tiveram de ser montados sobre estacaria, que seria fincada pelo tal “bogio”.
Tendo, hoje em dia, a expressão um sentido pejorativo (“mandar à fava”, “mandar passear”, “mandar pentear macacos”), supõe-se que viria desse engenho que, devido ao grande esforço que exigia, era manobrado por gente arregimentada entre os vadios e os criminosos.
Mas como compreender a sua utilização em Gil Vicente, Jorge Ferreira de Vasconcelos e Camões, anteriores à construção do forte? Não estará a sua origem mais ligada às momices que os macacos fazem? Aliás, a frase, em séculos idos, parece não ter tido o sentido pejorativo actual. Se não, atente-se no que escreveu o Cavaleiro de Oliveira, em Viena, respondendo à Condessa de N., que lhe perguntara o que era “ir bugiar”:
“O menino manda bugiar o velho, com a mesma liberdade com que o ancião manda bugiar uma criança. Tanto se manda bugiar pela manhã, como à tarde; de dia, como de noite. O cavalheiro tem licença para mandar bugiar o vilão, e o plebeu não tem impedimento para mandar bugiar o fidalgo. O homem manda bugiar algumas mulheres, e uma mulher manda bugiar todos os homens. Quanto aos casados, mandam-se bugiar reciprocamente, e, por causa do grande amor que devem ter entre si, correspondem-se pela maior parte com mui igual tratamento nesta matéria (...). O príncipe quer só para si o privilégio de usar do termo e por essa razão capacitou a V. Senhoria que era obsceno. É próprio, natural, composto, e nas ocasiões necessárias é muito honesto e aprovado. Fie-se V. S. no que lhe digo e creia que são verdadeiros e mui dignos de se imitarem os exemplos que lhe refiro. Para mostrar a V. S. ultimamente que o termo é legítimo, estava para acabar a carta mandando bugiar a V. S.”»