DÚVIDAS

A interjeição houlá

Já não sei precisar a origem e o contexto em que conheci o termo, mas uma pesquisa no Google revelou a utilização da palavra “houlá” no Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, se bem que aí pareça ser usada mais como uma "interjeiçao fonética", e não como um sinónimo de "olá" – a utilização que costumo dar à palavra...
Obrigado.

Resposta

Os dicionários mais recentes que consultei – o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – não registam “houlá”. No entanto, no Diconário Houaiss, encontramos oula, forma atestada em 1572.

A forma houlá e outras que também apresentam o dígrafo ou podem ser encontradas no Grande Dicionário da Língua Portuguesa (1981), de José Pedro Machado (hou-lá), no Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa (1958), de Caldas Aulete (hou-lá) e no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, (1.ª edição) de Cândido de Figueiredo, (houlá e hou-de-lá). Neste três dicionários, houlá e hou-lá aparecem como sinónimos arcaicos de olá, embora José Pedro Machado entre aparentemente em contradição quando diz na entrada de olá que esta interjeição não deve ser confundida com houlá. Note-se que Rebelo Gonçalves, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, averba houlá como interjeição e forma parónima de olá.

Consultando dois dicionários etimológicos, constatamos que Silveira Bueno, no Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa (1963), inclui a interjeição oláh!, que é equivalente a olá, e oulá, formas definidas como «interjeição de alegria ou de apêlo [sic] para chamar alguém». José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1987), não atribui entrada a houlá, mas no verbete de olá, surge oula! numa atestação do século XVI.

Creio, pois, que é possível dizer que houlá é uma interjeição sinónima de olá. Não consegui encontrar explicações nem para o aparecimento de olá nem para o de houlá. Apesar disso, atrevo-me a propor o que é uma mera conjectura apenas acerca da forma houlá.

1 – Durante muito tempo, o "o" átono inicial teve uma pronúncia instável, como ainda pode ser comprovada em dialectos mais rurais do português europeu, nos quais ovelha é por vezes pronunciado como [oubelha]. É, por conseguinte, plausível aceitar a existência de, pelo menos, três variantes: por um lado, [ó]lá, com [o] aberto inicial e escrita olá; e, por outro, [ow]lá, com ditongo [ow], e [ô]lá, com [ô] fechado, ambas escritas como houlá (sigo a forma registada por Rebelo Gonçalves).

2 – Alguns dialectos do Norte de Portugal têm a interjeição ou (ver Caldas Aulete, op. cit), que ainda hoje é audível em falares galegos (cf. Rosário Alvarez et alii, 1986, Gramática Galega, Vigo, Editorial Galáxia, pág. 475). Se a isto associarmos o facto de ter muitas vezes em português um valor enfático, como em eh lá, e assumindo que ou se usa num chamamento (por exemplo, em alternativa a ó em «ó da casa!»), “ou lá” terá um valor muito próximo de olá, que, além de saudação, também pode corresponder a um chamamento.

Em suma, penso que houlá é sinónimo de olá, podendo ter resultado da convergência de uma pronúncia dialectal de "olá" (basta lembrar a importância que os pastores têm em Gil Vicente) e da interjeição arcaica ou rural "ou!".

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa