No poema de Bocage denominado Epigrama encontramos os seguintes versos:
Levando um velho avarento
Uma pedrada num olho
Pôs-se-lhe no mesmo instante
Tamanho como um repolho.
Certo doutor, não das dúzias,
Mas sim do médico perfeito,
Dez moedas lhe pedia
Para o livrar do defeito.
"Dez moedas! (diz o avaro)
Meu sangue não desperdiço:
Dez moedas por um olho!
O outro eu dou por isso."
O verso «Dez moedas por um olho» corresponde na gramática clássica a um complemento circunstancial que, ao contrário de outros complementos circunstanciais (lugar, tempo, companhia), não tem um especificativo fixado pela tradição. Trata-se, em todo o caso, de uma expressão associada ao valor de preço. No contexto de outra terminologia, a brasileira, Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, pág. 448) inclui este tipo de expressões entre os adjuntos adverbiais de substituição, trocas ou equivalência:
«[estes adjuntos estão] próximos do valor de "preço", em orações do tipo:
Deu vinte mil reais pela motocicleta (preço).
[...]»
Voltando ao poema, é de salientar a sua ironia. A expressão «um olho por dez moedas» seria a forma previsível. Ao transformar esta expressão em «Dez moedas por um olho!», o poeta conseguiu obter um efeito mais ridículo e impressionante.