DÚVIDAS

A força ilocutória do verbo exigir

Na gramática de Leonor Sardinha e Luísa Oliveira, encontramos uma frase classificada como acto ilocutório compromissivo, do tipo «Exijo que amanhã entregues o trabalho de casa» (a frase não é exactamente esta, porém, de momento, não tenho presente o exemplo escolhido pelas autoras supracitadas).
Após leitura da mesma, parece-me que estamos perante um acto ilocutório directivo, uma vez que se trata de uma ordem. Assim, agradeço que me elucidem relativamente a esta questão e aos actos ilocutórios em geral.
Aproveito, igualmente, para felicitá-los pelo grande contributo que prestam ao português.

Resposta

Consultando a obra referida na pergunta (Leonor Sardinha e Luísa Oliveira 2005, Saber Português hoje. Gramática Pedagógica da Língua Portuguesa, pág. 149), encontrei a seguinte frase classificada como um acto ilocutório compromissivo:

(1) «Exijo um bom comportamento.»

Penso que a inclusão da frase (1) entre este tipo de actos ilocutórios é um engano. Se lermos, na mesma página, o que as autoras dizem sobre os actos ilocutórios directivos, vemos que o verbo exigir se conta entre os verbos directivos (idem, ibidem):

«Os actos ilocutórios directivos directos na expressão de ordem, pedido, sugestão ou conselho podem basear-se em […] verbos directivos: aconselhar, avisar, convidar, esperar, exigir, implorar, lembrar, mandar, obrigar, ordenar, pedir, proibir, querer, requerer, suplicar…»

No Ciberdúvidas, a consultora Edite Prada já teve ocasião de explicar o que é um acto ilocutório. Volto a repetir esta informação, mas de modo muito sucinto e tendo apenas em conta o caso apresentado pelo consultor.

A Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS) explica que a teoria dos actos ilocutórios assenta na ideia de que falar é também agir de acordo com certas regras. Assim, ao falarmos, estamos a executar, implícita ou explicitamente, actos que, para além de um conteúdo, têm uma dada força ilocutória [dimensão significativa que permite, num dado contexto, compreender o objectivo comunicativo do locutor – a pessoa que fala]; é o que se passa, por exemplo, quando usamos os verbos afirmar, ordenar, pedir, prometer, também denominados verbos performativos, porque a sua utilização explicita o tipo de acto executado: quando dizemos «prometo que…», estamos a agir, fazendo uma promessa. Entre os vários tipos de aco ilocutório, conta-se o acto ilocutório directivo, que dá expressão à vontade do locutor de levar o interlocutor a praticar determinada acção no futuro. Com verbos como ordenar há uma condição preparatória adicional que é a de o locutor ter autoridade sobre o interlocutor. É este também o caso de exigir.

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