Olhos garços são olhos «verde-azulados» ou «esverdeados» (ver Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa confirma este significado («esverdeado ou verde-azulado») e atribui-lhe um sinónimo, gázeo. Garço terá origem espanhola (“garzo”, «de cor azulada»; cf. Dicionário Houaiss).
Hoje, parece-me que é palavra pouco usada. No entanto, surge em Camões, na sua Écloga VI (sublinho a sua ocorrência):
[…]
A deusa que na líbica alagoa
em forma virginal apareceu,
cujo nome tomou, que tanto soa,
os olhos belos tem da cor do céu;
garços os tem; mas ũa, que a coroa
das fermosas do campo mereceu,
da cor do campo os mostra, graciosos.
Quem diz que não são estes os fermosos?
[…]
É curioso que garços surge neste texto identificado com «cor do céu», por oposição à «cor do campo» (isto é, verde) dos olhos de uma(«ũa») outra deusa.1 Parece, pois, que, pelo menos, em Camões, garço significa «azul». A consulta do Diccionario Portuguez (1873) de Domingos Vieira faculta-nos a seguinte definição: «olhos garços: esbranquiçados, tendendo para a côr azul» [mantive a ortografia original].
José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, não esclarece o sentido de garço, apenas remetendo a palavra para garça. Silveira Bueno (Grande Dicionário Etimológico-prosódico da Língua Portuguesa), confirmando «azulado» e «azul-claro» como sinó[ô]nimos de garço, dá a seguinte explicação (itálico do original a negro; mantive a grafia original):
«A maioria interpreta, seguindo a D. Carolina de Michaelis, como sendo derivado de garça, que tem os olhos claros. Corominas objeta que a cor dos olhos das garças é mais para o amarelo claro que para o azul. Sempre se pensou que a comparação fôsse, não diretamente com a cor dos olhos das graças, mas com a cor de suas penas que, de tão brancas, tinham tons azulados. Pensam outros que seja metátese do hispano-árabe zarco, primitivamente zarqa, azul. Parece-nos que esta seja melhor dentre todas as hipóteses, sendo inadmissível a aventada por Corominas, que viesse de *cardeus do lat. carduus. Opõe-se a fonética bem como a semântica: a flor do cardo não é azul-claro, mas quase roxo, violeta e quando se fala em olhos garços, sempre se tem em mira o azul-claro.»
O que Silveira Bueno afirma permite-nos dizer que garço é um termo de origem árabe existente tanto em português como em castelhano (e não simplesmente de origem espanhola, como indica o Dicionário Houaiss). Além disso, durante muito tempo, isto é, pelo menos, da época de Camões à de Domingos Vieira, garço terá significado também «azul-claro». Muitos dos dicionários recentes é que atribuem a acepção de "esverdeados", não sei com que fundamento.
Pode-se ainda verificar que há uma certa confusão dentro dos próprios dicionários quanto à cor designada por garço. Por exemplo, o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa (1958), de Caldas Aulete, define «esverdeado» como o significado do termo em apreço, ao mesmo tempo que indica a palavra zarco como sua sinónima. Mas o facto é que, no mesmo dicionário, zarco significa «que tem os olhos azuis claros» (mantenho a grafia original).
Deste modo, só posso concluir que o termo garço ou é ambíguo ou sofreu uma evolução semântica. Já terá sido equivalente a «azul-claro», mas os dicionários actuais não confirmam esta significação. Pode ser entendido como «esverdeado» ou «verde-azulado», segundo muitos dicionários, mas, porque praticamente caiu em desuso, é difícil confirmar tal acepção em dados recolhidos em 'corpora' textuais. Direi, pois, que «azul-claro» e «esverdeado» são acepções possíveis de garço.
1Agradeço a Rui Gouveia os comentários sobre este contraste.