A palavra boutique surge no Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Lexicoteca, Círculo do Leitores, 1984, com a definição: «pequena loja elegante onde se podem adquirir pequenos objectos de luxo e pronto-a-vestir».1
Com sentido aproximado é registada também no dicionário da Academia das Ciências, 1999, onde o termo boutique remete para butique: «loja de roupa e acessórios».
No Dicionário de Língua Portuguesa, da UNESP, 2004, o significado é semelhante. O mais inovador é o Dicionário Houaiss, cuja definição contempla, na versão portuguesa, 2002, por extensão, «qualquer loja pequena e elegante com artigos finos (b. de acessórios de automóveis; b. de vinhos)».
Pelas definições dos dicionários, só em 2002 se assume a existência de outros sentidos para a palavra, além de pronto-a-vestir e acessórios.
Pesquisando em Davies, Mark e Michael Ferreira, Corpus do Português (45 milhões de palavras, sécs. XIV-XX), encontrei, num total de 11 ocorrências para boutique e 6 para butique, alguns exemplos que ilustram o uso da palavra em outros contextos que não a moda ou o pronto-a-vestir:
(A) «Exposição colectiva Pintura em a boutique de o café A Delta Cafés abriu há já algum tempo um espaço bem no meio de a Rua de Santa Catarina, em o Porto. São três pisos cafetaria, salão de chá e boutique com cheirinho a café, onde pode parar para um cimbalino, um almoço ou para comprar uma chávena ou um lote especial 100% Colômbia» (Fonte: Público, 1995)
(B) «Essas boutiques de espionagem, que por lei ou acordo tácito apenas exerceriam a sua actividade em países estrangeiros, poderiam aliviar a pressão sobre a CIA, reduzir o seu volumoso orçamento e proporcionar emprego aos seus espiões inactivos» (fonte: Público, 1993).
(C) «Em 98, também deveremos abrir uma butique de carnes no Recife» (fonte: texto oral, entrevista a Paulo Roberto de Andrade, 1997).
Porém, como pode verificar-se, todas as ocorrências são dos anos 90. Não me é, pois, possível garantir, nem desmentir, que a palavra fosse, já em 1975, usada para designar contextos exteriores ao mundo da moda.
A título de curiosidade, poderei acrescentar que a primeira ocorrência registada no corpus já referido data de 1962, numa obra de ficção brasileira:
«As três foram andando devagar, parando em tudo quanto era vitrina de boutique, de casa de calçado, de loja de discos» (fonte: Rua Augusta, Maria de Lurdes Teixeira).
Em Portugal, a primeira ocorrência surge no livro Os Nós e os Laços, de António Alçada Baptista, em 1985: «Depois arranjou emprego numa boutique, entrou no mundo da moda, passou modelos, alugou apartamento.»
1 No Corpus Oral "Português Fundamental", a palavra boutique ocorre algumas vezes na mesma entrevista (0795, informante do sexo feminino, 23 anos, entrevista feita entre 1970 e 1974), mas sem se poder discernir claramente se as ocorrências designam outra coisa que não «pequena loja elegante onde se podem adquirir pequenos objectos de luxo e pronto-a-vestir»:
«x: gostava de ficar em casa, assim, a cozinhar e... a tratar das crianças e... sei lá, gostava de, e assim fazer coisas, ouvir música e tal, mas como naturalmente isso não é possível, porque não devo ter dinheiro para fazer uma coisa dessas, e a vida tá cada vez pior, sobretudo aqui em Lisboa,
a: ai, claro.
x: e tenho (...) e por causa da profissão do meu marido temos que cá ficar a viver mesmo, talvez, não sei, arranjar uma boutique, ou... assim, arranjar umas sócias, umas amigas ou qualquer coisa, fazer uma boutique, não sei.
a: e tem já capital para isso?
x: ah, ah, ah, isso é que era bom! (...) não, não tenho, (...) ando a ver é se arranjo um dinheirito para fazer estas coisas.
a: então, e se não montar a boutique?
x: e se não montar a boutique? sei lá! não sei, se calhar vou-me, não sei, se que, se não, se não montar a boutique e que não conseguir... ficar em casa, não sei, tenho que arranjar qualquer emprego, qualquer coisita. a não ser que ganhe o totobola, ou a lotaria ou qualquer coisa assim, o que não era nada mau.»