Os romanos, no decorrer das suas imparáveis conquistas, iam capturando inúmeros escravos, que eram utilizados nos mais diversos serviços. Sendo a escravatura um fenómeno tão difundido entre os romanos, é natural que se servissem de uma terminologia abundante a este respeito. Na verdade, há quem diga que existiam cerca de trezentas espécies de escravos, segundo as funções que exerciam. Por exemplo, o atriensis era o guarda-mor do atrium, o topiarius podava as árvores, o ostiarius era o guarda da porta, o lactarius preparava o creme, o placentarius fazia pastéis, o cellarius tinha a seu cargo a adega ou o celeiro, o degustator provava todas as comidas antes de as apresentar, isto para referir apenas alguns exemplos...
Além destes termos mais especializados, os romanos recorriam a outros mais genéricos, que indicavam a condição do escravo sem considerar propriamente a função exercida pelo mesmo. Entre estes termos, os mais frequentes eram servus, que designava o escravo do ponto de vista jurídico ou político, famulus (pronuncia-se “fámulus”), que indicava o escravo do ponto de vista patriarcal, e mancipium, que denominava o escravo do ponto de vista económico, ou seja, considerando-o como propriedade ou mercadoria.
O termo famulus, provavelmente oriundo do osco, designava o escravo que servia em casa, sob a autoridade de um patriarca. Ao conjunto de escravos que serviam sob o mesmo teto chamava‑se familia. Era preciso mais do que um famulus para se constituir uma familia. Cícero dizia (Cæcin. 55) que unus homo familia non est («um só homem não constitui uma familia»), e o jurisconsulto Julius Paulus Prudentissimus (séc. III d. C.) completava (V, 6, 39) que familiæ nomine etiam duo servi continentur («com dois escravos já se constitui o que se chama uma familia»). É claro que, quanto maior a opulência, maior era o número de escravos ao serviço de uma casa e, portanto, maior era a familia...
Era este o significado primordial de familia. No entanto, por extensão de sentido, os romanos serviam-se do termo para designar também toda a casa sob cujo teto serviam esses escravos, a qual compreendia o chefe – o chamado pater familias –, a sua esposa, os filhos, os ditos escravos e até os animais e as terras, ou seja, tudo o que era indispensável à economia familiar. De acordo com a Digesta Justianiana (50, 16, 195, 2), familiam dicimus plures personas quæ sunt sub unius potestate («chamamos familia a um conjunto de pessoas que se encontram sujeitas ao poder de um só»). Em termos jurídicos, e em sentido pessoal, o termo designava apenas a chamada família agnatícia, ou seja, a linhagem masculina, como se conclui do seguinte preceito do códice referido anteriormente (50, 16, 195, 1): mulier familiæ suæ et caput et finis est («a mulher é o início e o fim da sua própria familia»). Por extensão de sentido, familia acabou por incluir também os cognati, ou seja, a linhagem feminina, tornando-se sinónimo de gens, pelo menos na linguagem corrente, mas não na linguagem jurídica.
Portanto, apesar de o nosso vocábulo família provir de familia, não se pode afirmar que sejam exatamente equivalentes...