Em português, existem dois termos, filisteu (do latim Philistaeu‑) e filistino (do latim Philistinu‑), para designar o povo que habitava a Filisteia, um território situado no sudoeste do Levante mediterrânico e constituído por cinco cidades principais, entre elas Gaza, que é manchete frequente nos jornais em todo o mundo, e sempre pelos piores motivos. Este povo foi protagonista de constantes refregas com os israelitas, de que faz eco o Antigo Testamento, sobretudo o Segundo Livro de Samuel. O referido território confinava com o Reino de Israel a norte e com o Reino de Judá a este.
Nas traduções bíblicas em português, é filisteu o termo que prevalece, em detrimento de filistino. Já na chamada Nova Vulgata, são nada menos do que quatro os termos utilizados: Philisthim (158 vezes), Philistaeus (57 vezes), Philist(h)inus (57 vezes) e Palaestinus (6 vezes). Quanto ao território, o vocábulo Philist(h)aea, «Filisteia», aparece apenas 8 vezes, mas os tradutores recorrem por vezes a outras expressões para o designar, por exemplo: terra Philisthim (Ex 13:17, 1Rs 5:1), terra Philisthinorum (1Sam 27:1, 31:9), «terra dos filisteus», regio Philisthim (Js 13:2), regio Philisthinorum (1Sm 6:1), «região dos filisteus». O termo Palaestina, porém, não é utilizado uma única vez na Vulgata.
Parece surpreendente o emprego do vocábulo Palaestinus para designar os filisteus, mas as traduções da Bíblia em português não deixam lugar a dúvidas. Vou citar aqui os seis exemplos da Vulgata com a respetiva tradução apresentada em A Bíblia Sagrada, publicada em 1978 pelas Edições Paulinas (que designarei por EP) e na quarta edição da chamada Bíblia dos Capuchinhos, dada à estampa pela Difusora Bíblica em 2003 (que designarei por DB):
a) mare Palaestinorum (Ex 23:31), «mar dos filisteus» (EP, DB).
b) in animam odientium te, filiarum Palaestinarum (Ez 16:27): «ao arbítrio das filhas dos filisteus, tuas inimigas» (EP); «à mercê das tuas inimigas, as filhas dos filisteus» (DB) [a mesma expressão e a mesma tradução em Ez 16:57].
c) Pro eo quod fecerunt Palaestini in vindicta (Ez 25:15): «Já que os filisteus se deixaram levar pelo espírito de vingança» (EP); «Porque os filisteus exercem vingança» (DB).
d) Ecce ego extendam manum meam super Palaestinos (Ez 25:16): «Eis que estenderei a mão contra os filisteus» (EP); «Eis que levanto a minha mão contra os filisteus» (DB).
e) descendite in Geth Palaestinorum (Am 6:2): «descei pois a Gat da Filisteia» (EP); «descei até Gat dos filisteus» (DB).
Restringindo agora a análise aos dois termos referidos pelo nosso consulente, ou seja, filistino e palestino, as fontes consultadas apontam para a seguinte etimologia completa:
filistino < latim tardio Philistīnu‑, «filisteu» < grego antigo tardio Φυλιστῖνοι (Phylistînoi), «filisteus» < hebraico פְּלִשְׁתִּים (p’lishtím) «filisteus», plural indefinido de פְּלִשְׁתִּי (p’lishtí) «filisteu» < פְּלֶשֶׁת (p’léshet), «Filisteia» < raiz פ־ל־ש(p-l-š), «migrar, invadir».
palestino < latim Palaestīnu‑, «palestino» < Palaestīna, «província romana da Palestina» < grego antigo Παλαιστίνη (Palaistínē), «Filisteia e região circundante» < hebraico < פְּלֶשֶׁת (p’léshet), «Filisteia» < raiz פ־ל־ש (p-l-š), «migrar, invadir».
Como se pode verificar, os termos filistino e palestino, de acordo com esta etimologia, entroncam no mesmo vocábulo hebraico, ou seja, têm uma origem remota comum, como, aliás, já deixava antever o emprego indiscriminado de Philistinus e Palaestinus na Vulgata. Esta origem, obviamente, é partilhada pelo termo filisteu.
Seja como for, os gregos atualmente usam o termo Φιλισταία (Filistéa) para designar a antiga Filisteia, distinguindo-a assim claramente da Palestina, a que chamam Παλαιστίνη (Palestíni).
Refira-se, a talhe de foice, que o termo filisteu adquiriu, em várias línguas, um significado acessório, depreciativo, passando a caracterizar também uma pessoa inculta, bronca, incapaz de apreciar as artes ou outras manifestações culturais. A história sempre foi madrasta para os povos derrotados... Ao que tudo indica, porém, os filisteus eram detentores de uma cultura avançada. Foi esta a conclusão a que chegaram Moshe Dothan (1919-1999) e Trude Dothan (n. 1922), um casal de arqueólogos israelitas que, após mais de 30 anos de aturada pesquisa, publicaram os resultados da mesma na obra People of the Sea: Search for the Philistines, «Povo do mar: em busca dos filisteus» (Palgrave, 1992, 256 p.). Já em 1925, Geórgios Tzorbatzís (Γεώργιος Τζορμπατζής), na obra Ηώς της Εβραϊκής Παλιγγενεσίας («Aurora do renascimento hebraico») defendera a tese, com base em escavações efetuadas no território da antiga Filisteia, de que os filisteus eram gregos de origem cretense. Coincidentemente ou não, na versão grega conhecida por Septuaginta, os filisteus são normalmente designados por Ἀλλόφυλοι (Allóphyloi), «de outra raça, estrangeiros», sendo o termo Φυλιστιιμ (Phylistiim) usado apenas em cerca de 4% dos casos...