Nada muda quanto à divisão silábica para efeitos de translineação, pelo que a partição de superfície continua ser su-per-fí-cie, sem se separar o encontro vocálico da sequência final -cie.
A razão para não se separar -cie reside, em primeiro lugar, num critério que não está explícito no Acordo Ortográfico de 1945 (AO 1945) nem no de 1990, mas que se encontra exposto no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, pág. 381, n.º 2), de Rebelo Gonçalves (manteve-se a ortografia original):
«Assim como é lícita a divisão áure-as, também o será, evidentemente, uma divisão como áure-a. Essa, porém, não se recomenda pràticamente: além de inestética sob o aspecto gráfico (separação de uma única letra), torna-se, de facto, desnecessária, visto o lugar ocupado pelo hífen chegar para a vogal que mudaria de linha.»
Por outras palavras, o AO 1945 permite, em princípio, a separação de duas vogais seguidas desde que não formem ditongo decrescente (isto é, o lei- de leite não se separa, porque ei é um ditongo decrescente) ou a primeira não seja um u precedido de g ou q (em arguente, -guen- não se separa, o mesmo acontecendo com o -quen- de deliquente). Contudo, não encara como ditongos (crescentes) os encontros vocálicos finais de palavras como áurea, história ou superficie. Sendo assim, retomando o exemplo de áureas, admite-se a partição áu-re-as, mas considera-se, por questões estéticas, que é de evitar separar uma única letra, fazendo-a passar à linha seguinte, o que explica que áu-rea seja a separação recomendada, e não áu-re-a.
Observe-se, contudo, que a translineação de casos como o de superfície ou áurea tem tido no Brasil outra abordagem – convergente com a de Portugal, é certo –, porque o Formulário Ortográfico de 1943, na sua Secção XV, determina o seguinte:
«7.ª – Não se separam as vogais dos ditongos – crescentes e decrescentes – nem as dos tritongos: ai-ro-so, a-ni-mais, au-ro-ra, a-ve-ri-güeis, ca-iu, cru-éis, en-jei-tar, fo-ga-réu, fu-giu, gló-ria, guai-ar, i-guais, ja-mais, jói-as, ó-dio, quais, sá-bio, sa-guão, sa-guões, su-bor-nou, ta-fuis, vá-rio, etc.
Observação – Não se separa do u precedido de g ou q a vogal que o segue, acompanhada, ou não, de consoante: am-bí-guo, e-qui-va-ler, guer-ra, u-bí-quo, etc.»
Esta formulação, ao contrário do que se lê no AO 1945 e no Tratado... de Rebelo Gonçalves, admite a existência de ditongos crescentes, tornando impossível separar as sequências vocálicas finais de palavras como glória, ódio, sábio e vário. Parece ser esta a perspetiva que Celso Cunha e Lindley Cintra perfilharam, quando, em 1984, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, declararam o seguinte (p. 68):
«Não se separam as letras com que representamos:
a) os ditongos e os tritongos, bem como os grupos ia, ie, io, oa, ua, ue e uo, que, quando átonos finais, soam normalmente numa sílaba (DITONGO CRESCENTE), mas podem ser pronunciados em duas (HIATO):
[...] gló-ria
cá-rie
Má-rio
má-goa
ré-gua
té-nue
con-tí-guo [...].»
Este preceito sai reforçado pelos mesmos gramáticos quando dizem (idem, p. 69) que, «[e]mbora o sistema ortográfico vigente o permita, não se deve escrever no princípio ou no fim da linha uma só vogal».
Refira-se um outro aspeto que já não diz respeito a translineação mas à divisão silábica propriamente dita, de caráter fonético e fonológico; trata-se do facto de, na divisão silábica da palavra superfície, poder encontrar-se quer um ditongo quer um hiato no encontro vocálico escrito final -cie: su-per-fí-ci-e. Sobre estes encontros vocálicos átonos finais, observam Cunha e Cintra (idem, pág. 50):
«Quando átonos finais, os encontros escritos -ia, -ie, -io, -oa, -ua, -ue e -uo são normalmente DITONGOS CRESCENTES: glór-ria, cá-rie, vá-rio, má-goa, á-gua, té-nue, ár-duo. Podem, no entanto, ser emitidos com separação dos dois elementos, formando assim um HIATO: gló-ri-a, cá-ri-e, vá-ri-o, etc. Ressalte-se, porém, que na escrita, em hipótese alguma, os elementos desses encontros vocálicos se separam no fim da linha [...].»