Teresa Ferreira da Costa - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Teresa Ferreira da Costa
Teresa Ferreira da Costa
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Advogada, licenciada pela Universidade Católica Portuguesa, na vertente de Ciências Jurídico-Forenses. especialista em Direito Civil, Laboral e da Saúde.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Se «o regimento é um regulamento aprovado para uso próprio (interno) por um órgão colegial duma pessoa colectiva de direito público», então o que é um regulamento? No dicionário os termos também surgem como sinónimos.

Sendo professora e coordenadora de departamento que reúne várias disciplinas, sinto necessidade de garantir a diferença de dizer elabore-se um regimento do departamento ou um regulamento, porque, se de normas se trata, para ambos preciso de entender a essência da diferença prática na aplicação dos dois termos.

Obrigada.

Resposta:

Sobre a questão colocada passo a responder de modo a clarificar as ideias e poder contribuir para um melhor entendimento dos vocábulos em análise do ponto de vista jurídico, assim:
 
— O regime de alguma matéria é o equivalente ao seu estatuto do ponto de vista jurídico. É a forma como numa determinada ordem jurídica os órgãos legislativos de um país determinam que aquelas relações concretas se devem reger. É basicamente um conjunto de normas de cariz jurídico e que se destinam aos cidadãos de um país que em determinado momento se encontrem abrangidos pela previsão daquelas normas. Podemos então falar do «regime de bens do casamento», que tem como destinatários os cônjuges unidos pelo casamento; do «regime da aposentação», que rege as relações dos aposentados com a administração, condições de acesso, direitos e deveres; do «regime do arrendamento urbano», que determina as relações entre senhorios e inquilinos nas suas várias vertentes, ou ainda do «regime do contrato de trabalho em funções públicas» ou do «regime das tributações» ou do dos «empreendimentos turisticos», etc., etc.

— Já o termo regulamento tem um âmbito de aplicação mais restrito, e normalmente a sua elaboração, ainda que balizada pela lei, é deixada no seu conteúdo aos privados ou às organizações. Trata-se de um documento escrito que rege os direitos e deveres de uma organização e que não dispõe, nem vincula outros que não os membros dessa organização ou grupo legalmente constituído — temos como exemplos o regulamento de um condomínio, o regulamento de um concurso, o regulamento interno de uma instituição, etc.

Enquanto o regime estipula para uma universalidade de pessoas que não está constituída em grupo ou associação e que tem a uni-las a circunstância de reunirem t...

Pergunta:

Qual o significado jurídico-trabalhista do termo habitual?

Resposta:

Na ordem jurídica portuguesa, a palavra habitual não tem uma conotação específica no ramo de direito do trabalho, no sentido de pretender significar algo diverso da seu sinónimo linguístico. Tal circunstância é idêntica nos outros ramos do direito português. Podemos, no entanto, pormenorizar, afirmando que habitual, no contexto do direito do trabalho, será todo e qualquer comportamento que se verifique nas relações laborais com carácter de frequência. Tal habitualidade poderá nem sequer ter assento contratual expresso e, se assim for, a habitualidade preencherá a lacuna no contrato de trabalho — pode até ser entendida como «o uso» ou «costume» ou até «a praxe». Porém, se a lei dispuser diferentemente do uso ou costume, prevalecerá a lei. Na ausência de disposição concreta sobre certa circunstância, então o hábito ou o que for "habitual" ditarão o comportamento a adoptar. Se certo comportamento não estiver contratual ou legalmente definido, serão os hábitos que determinarão o seu conteúdo, caso contrário a lei prevalecerá alterando ou conformando o que é hábito.

Pergunta:

Podemos utilizar a palavra "acontratual" ou "acontratualista" para designar uma relação que não nasceu de um contrato?

Resposta:

Em resposta à pergunta formulada pelo consulente Ricardo Moreira, cumpre-nos dar a seguinte explicação, que, sublinhamos, é de cariz unicamente jurídico e tendo como objecto a realidade jurídica portuguesa. Assim, podemos afirmar com propriedade que, em Portugal, nos meios académicos e nos tribunais, a expressão "acontratual" ou "acontratualista" não se utiliza.1

Tal palavra, que podemos ver utilizada em obras técnicas de direito no Brasil, apenas nesse país é utilizada e pretende significar a «área ou áreas juridicamente relevantes do relacionamento humano onde a relação jurídica não teve a sua origem num contrato entendido como encontro de vontade das partes».

Porém, tal significado não existe nem é acolhido em Portugal, seja doutrinariamente, seja na legislação, seja na linguagem técnica utilizada nos tribunais ou por juristas. Na ordem jurídica portuguesa, o tipo de relações que o consulente tem em mente, aquelas que não nasceram de um contrato, não tem uma designação uniforme, poderão ser relações nascidas directamente da lei ou do poder legislativo, poderão ser de natureza pública ou privada e poderão pura e simplesmente ser impostas aos cidadãos como forma de regular a sua interacção em sociedade. Em resposta directa ao consulente, podemos afirmar que a utilização de tal palavra para querer dizer tal conteúdo não é correcta em Portugal, e arrisca-se o consulente a não ser compreendido se a utilizar com esse propósito.

1 A formação de acontratual e acontratualista é linguisticamente legítima, tendo em conta a boa formação de amonetário.

Pergunta:

Gostaria de saber o que é parágrafo jurídico.

Resposta:

A consulente é uma estudante brasileira, eventualmente estudante de Direito. Em Portugal, o termo quanto ao qual a consulente pede explicação não é utilizado nem nas aulas específicas dos cursos de Direito nem na prática forense. Efectivamente, não temos nas nossas cadeiras de Direito qualquer área onde seja aprofundado o modo de redigir peças processuais ou outras com cariz jurídico.

Através de busca feita por nós no Google, deparámo-nos no entanto com o termo em causa num trabalho publicado pelo professor Joseval Viana, mestre em Discurso Jurídico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e autor de um texto inserido na Academia Brasileira de Direito em 10 de Julho de 2006.

Segundo este autor, que se debruça no texto em causa sobre a elaboração de peças processuais, os parágrafos jurídicos podem ser narrativos, dissertativos e descritivos. O autor não define o termo «parágrafo jurídico», mas, dizemos nós, este será o parágrafo inserto num texto de carácter jurídico, seja ele uma petição inicial, uma contestação ou até uma sentença ou um requerimento. Tais peças destinam-se a ser tratadas juridicamente por profissionais de foro ou por juristas, simplesmente.

Em Portugal, tal expressão não é autonomizada ou tratada de um modo técnico ou científico, quer significar apenas que se trata de um parágrafo inserto num texto com relevância jurídica.

Pergunta:

«Em face da sucumbência, o embargado arcará com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários do patrono dos embargantes, que fixo em R$ 600,00, sem prejuízo da sucumbência do processo principal.»

Quero saber se a interpretação é: «faço jus aos honorários de R$600,00 mais a sucumbência do processo principal.»

Resposta:

A questão apresentada pelo consulente carece de ser introduzida com alguns considerandos:

1.º – Afigura-se-nos que se trata da reprodução de parte de uma sentença ou pelo menos de uma decisão proferida por um órgão jurisdicional.

2.º–  Essa reprodução não é feita dentro do contexto onde a decisão foi proferida.

3.º – A decisão não terá sido proferida por um órgão jurisdicional português; depreendemos que se trate de um tribunal brasileiro (são utilizados termos que não são utilizados nos tribunais portugueses, e a moeda usada é o real).

Posto isto, e dado não termos outros elementos que nos permitam saber qual o contexto da decisão na base da pergunta do consulente, há que fazer uma ressalva muito importante: a resposta que daremos será de ordem estritamente genérica e não direccionada ao caso concreto, já que, enquanto advogados portugueses, estamos sujeitos a regras deontológicas bastante rigorosas que nos impedem de nos pronunciarmos sobre questões entregues ou confiadas a outros advogados, sejam eles nacionais ou estrangeiros, o que parece ser o caso. Neste contexto, a primeira atitude que o consulente deverá adoptar será a de perguntar ao/s advogado/s que o representa/m qual o sentido da decisão em questão.

Respondendo à pergunta: na ordem jurídica portuguesa, a regra é de que quem perde a demanda paga os custos derivados directamente desse decaimento. Tal verifica-se no que concerne ao pagamento das custas lato sensu — as quais abrangem as despesas processuais e os custos com os honorários do patrono. E se se tratar de um processo apenso a outro, como é o caso de um embargo, tal pagamento é devido independentemente de se vir a ter ganho de causa, ou nã...