Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Que expressão é a correta: «tomar a peito» ou «levar a peito»?

Muito obrigado!

Resposta:

De acordo com o Dicionário Houaiss as duas locuções existem e são sinónimas quando significam: «dedicar-se a alguma coisa com grande empenho e interesse». Veja-se o exemplo:

(1) «O João levou a peito a tarefa» = «O João tomou a peito a tarefa»

As mesmas expressões podem ainda significar: «levar para o lado pessoal, ofender-se». 

(2) «O João levou/tomou a peito aquilo que o treinador lhe disse sobre o seu desempenho.»

Em (2), aquilo que se pretende dizer é que o João se ofendeu com o que lhe foi dito. 

Esta expressão com este significado está atestada, por exemplo, em Júlio Dinis, em Morgadinha dos Canaviais (Corpus do Português):

(3) «Há anos, porém, deu em tomar a peito o meu procedimento político e em pregar-me sermões e dirigir-me censuras, que eu fazia por escutar com a possível resignação.»

Pergunta:

Algumas empresas estão adotando seus nomes com letra minúscula, por exemplo: adidas.

Neste caso, em títulos e início de frase, devemos respeitar a grafia usando tudo em letras minúsculas ou a inicial deve ser em letra maiúscula?

1) Adidas lança um novo tênis.

2) adidas lança um novo tênis.

Resposta:

Aquilo que se prevê, em língua portuguesa, é que se inicie uma frase com inicial maiúscula. Por isso, o mais correto seria termos:

(1) «Adidas lança um novo tênis.»

Contudo, aquilo que a consulente refere é pertinente. Trata-se de uma marca que estilizou a sua designação de Adidas para adidas, com inicial minúscula, o que, de resto, deve acontecer com muitas outras marcas.

Observando textos da própria marca (ver aqui), quer em inglês, quer em alemão, surge, no corpo do texto, a marca referenciada com inicial minúscula (não se trata de exemplo em que a marca surja no inicio da frase), o que levanta a questão de, em português, procedermos, ou não, do mesmo modo. O que se pode dizer em relação a este assunto é que, embora não excluindo nunca a possibilidade de se grafar adidas, com inicial minúscula, no meio de uma frase, porque assim se faz na língua original da marca, as normas ortográficas portuguesas parecem não prescindir da maiúscula inicial quando se trata de nomes próprios com referência única, como é o caso da marca Adidas:

(2) «Os meus ténis são da marca Adidas.»

Pergunta:

A questão é morfológica e toca o emprego do artigo definido.

É sabido que a moto tem garupa. Quem viaja na garupa é «a garupa» ou «o garupa»?

Garupa é substantivo sobrecomum, comum de dois gêneros ou de gênero incerto?

Obrigado.

Resposta:

O Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (organização de Francisco S. Barbosa, 2004) atesta garupa, entre outros sentidos, como «quem se transporta montado na parte traseira de condução; garupeiro» e dá como exemplo «O garupa dispõe de menos conforto do que o piloto da moto». Mediante tal definição e exemplo, pode afirmar-se que se trata de um substantivo comum de dois géneros, isto é, um substantivo com dois valores de género possíveis com a capacidade de desencadear alterações morfológicas nas palavras com que concorda: «o garupa»/«a garupa».

Acrescente-se, ainda, que em mais nenhum dos outros dicionários consultados – Aulete, Michaellis, Priberam, InfopédiaDicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Houaiss –, há referência a garupa como a pessoa que viaja na garupa. Genericamente, o substantivo está atestado como um substantivo feminino que significa:

«1. parte superior e posterior de certos quadrúpedes, em especial, das cavalgaduras, que fica entre o lombo e a cauda; ancas; 2. mala ou alforge transportado sobre as ancas de uma cavalgadura ou atrás da sela; 3. conjunto de correias com que se prende ao selim o que se transporta sobre as ancas da cavalgadura...

Pergunta:

Como se escreve/lê a palavra seguinte: "superheteródino", "super-heteródino", ou "super-heterodino"?

No Brasil escrevem "heterôdino", mas desde há muitos anos que leio e escrevo a palavra como grave.

Cumprimentos.

Resposta:

A palavra escreve-se heteródino em qualquer país de língua portuguesa, incluindo o Brasil, como se pode verificar, por exemplo, no dicionário da Infopédia ou no Dicionário Michaelis e até no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras. Não se confirma, portanto, que, no Brasil, se deva grafar "heterôdino".

O adjetivo/nome masculino heteródino – «diz-se de um oscilador de alta frequência regulável que, incorporado num recetor, permite obter uma oscilação de batimentos de frequência audível» (dicionário Infopédia é proparoxítona (esdrúxula), isto é, tem o acento grave na antepenúltima sílaba, porque o Acordo Ortográfico de 1990 mantém o acento nas proparoxítonas, num preceito que advém de 1911 (base XXVI).

Se lhe acrescentarmos o prefixo super-, então devemos grafar super-heteródino. De acordo com a base XVI, ponto 1, alínea a) do 

Pergunta:

Tenho usado em muitas mensagens de e-mails colocar bem assim: "Atenciosamente e cordialmente".

A questão é: atenciosamente e cordialmente são termos sinônimos? Caso sejam, qual deles é o mais recomendável? E por quais motivos, na realidade?

Muitíssimo obrigado!

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, atesta os advérbios cordialmente e atenciosamente com os seguintes significados:

(1) cordialmente: «Demonstrando apreço e consideração; com boa educação e gentileza; de modo cordial.»

(2) atenciosamente: «Com amabilidade, delicadeza e cortesia; usa-se como fórmula de desfecho em correspondência formal ou comercial, antes da assinatura.»

Ora, atendendo aos seus significados, podemos inferir que os dois advérbios são semanticamente sinónimos quando, em correspondência, nos despedimos, demonstrando delicadeza e boa educação. Usá-los em simultâneo é, então, um pleonasmo, sem finalidade expressiva, e, portanto, não se recomenda que ocorram em simultâneo.