Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Perguntar para o fulano», «perguntar ao fulano», «perguntar do fulano».

Disseram que só o primeiro está correto. É verdade?

Obrigada

Resposta:

O verbo perguntar admite as preposições para e a. Assim, consideramos correto:

(1) «Perguntei para o fulano como estava a correr o seu dia»

(2) «Perguntei ao fulano como estava a correr o seu dia»

Note-se que em (1) e (2) estamos perante construções sinónimas, mas (1) é uma construção com uso mais sedimentado no Brasil (ver esta resposta). 

Já «perguntar do fulano» pode ser uso correto se o complemento «do fulano» for interpretado como «sobre o fulano», de acordo com o esquema verbal «perguntar a alguém de alguém/alguma coisa».

Contudo, não é construção correta, se «perguntar do fulano» for equivalente a «perguntar ao fulano». Com efeito, do ponto de vista normativo1, o verbo perguntar não admite a preposição de quando o complemento verbal se refere à pessoa a quem se pergunta.

 

1 Do ponto de vista estritamente descritivo, assinale-se que «perguntar de alguém» tem registos no português do Brasil não normativo:

(1) «E você já perguntou dele se ele gosta de você?» (Menina_Salvatore, "Davina e Kol", Wattpad).

Pergunta:

As frases têm problemas de coesão ou coerência?

«As escola está fechado.»

«Quando chegamos em tua casa, você tinhas saído.»

«Um relógio comprou a Maria.»

«Eu nasci gémeos.»

 

Resposta:

Antes de mais, entenda-se que «é estreita a interligação entre a coerência textual e a coesão textual, mas com uma diferença relevante: esta última é exclusivamente de âmbito intratextual e não depende da capacidade e das estratégias interpretativas do leitor/receptor» (Dicionário Terminológico). 

Posto isto, as seguintes frases apresentadas pelo consulente têm problemas de coesão:

(1) «As escola está fechado»;

(2) «Quando chegamos em tua casa, você tinhas saído».

Nas frases não há uma organização formal que permita articular e interligar sequencialmente os diversos componentes e que assegure a unidade semântica. 

Para existir coesão, deveríamos ter, por exemplo:

(1) «A escola está fechada»;

 (2) «Quando chegámos em tua casa, tu tinhas saído»;

Já no seguinte exemplo, estamos perante um problema de coerência:

(3) «Um relógio comprou a Maria»;

Aqui, o conhecimento do mundo faz prever que seja sempre uma pessoa a compradora de um relógio, e não o contrário. Por isso, para a frase ser coerente, devíamos ter:

(3) «A Maria comprou um relógio». 

Relativamente à última frase, podemos dizer que estamos perante um caso híbrido com problemas entre a coesão e a coerência:

(4) «Eu nasci gémeos».

Por um lado, há um uso que viola as regras gramaticias (o verbo nascer é intransitivo e, por isso, não pede complemento). Por outro lado, os falantes associam geralmente o verbo nascer às crianças que vêm ao mundo, sem consideração da parturiente, e, aqui, dá-se o problema de coerência. Observe-se, no entanto, que o verbo nascer ocorre coloquialmente em Angola como sinónimo de «dar a luz», conforme se atesta na 

Pergunta:

Gostaria de saber se existe alguma regra estabelecida e qual a fonte relativamente ao uso da maiúscula em "Cataratas do Niágara".

No site Infopédia, existe um artigo intitulado “cataratas do Niagara” com a palavra cataratas em minúsculas, no entanto a maior parte dos outros artigos na web têm Cataratas com maiúscula inicial.

Adicionalmente, parece haver os termos «queda de água» e queda-d'água para descrever as cataratas. Qual é a diferença entre estes termos e qual deveria ser o usado para descrever as cataratas do Niágara?

Muito obrigada pela sua resposta.

Resposta:

Acordo Ortográfico de 1990 é omisso quanto ao uso de maiúscula ou minúscula no que a acidentes geográfico concerne, contudo a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1020) propõe que, como convenção, os nomes a que chama «classificadores toponímicos» (acidentes geográficos) se grafem com minúscula inicial, trazendo assim a norma que vigorava no Acordo Ortográfico de 1945.

Pelo exposto, aquilo que se sugere é que se grafe «cataratas do Niágara»1 quando nos queremos referir ao agrupamento de grandes cataratas (quedas-d'água) no rio Niágara. 

Por outro lado, a cidade que se encontra perto destas cataratas denomina-se, também, Cataratas do Niágara (em inglês Niagara Falls, no estado de Ontário, no Canadá) e, aqui, todo o nome deve ser grafado com iniciais maiusculas. 

Relativamente à possibilidade de existir a grafia queda-d'água, esta tem registo dicionarístico, como sinónimo de catarata – «corrente de água que cai de uma certa altura, acompanhando a disposição vertical do terreno» (Infopédia). Sem poder negar que «queda de água» seja, também, sinónimo de catarata, esta expressão é, contudo, ao contrário de queda-dágua, um sintagma correntemente interpretado em função dos seus elementos constituintes, i.e., pode ser interp...

Pergunta:

Ouve-se cada vez com maior frequência desejar a alguém «tudo de bom!».

Como se vê, nem se trata de uma pergunta, pois nunca ouvi ninguém perguntar «tudo de bom?», mas de um desejo, habitualmente numa despedida ou como remate de uma conversa telefónica.

A minha questão tem a ver com a inclusão da preposição de na frase. Não seria suficiente e correto dizer-se só «tudo bom!»...?

E, já agora, pergunta-se: «tudo bom?» ou «tudo bem?»?

Muito obrigado!

Resposta:

Não há nada de errado com a forma de despedida «tudo de bom». Aqui, bom é um substantivo1 e aquilo que se pretende dizer, quando a mesma é proferida, é «desejo-lhe tudo o que há de bom». 

Esta construção – «tudo de bom» – contém em si a preposição de com valor partitivo. Este valor associa-se ao emprego de do, dos, da e das «junto a nomes concretos para indicar que os mesmos nomes [são] apenas considerados nas suas partes ou numa quantidade ou valor indeterminado» (Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara).

Neste caso, o de não é acompanhado de artigo, mas pode enquadrar-se na descrição da estrutura da expressão partitiva, tal como é descrita por Maria Helena Mira Mateus et al. (Gramática da Língua Portuguesa): Expressão de Quantidade + de + Artigo/Determinante + Nome. O nome bom parece sem artigo definido («de bom»), traduzindo uma designação, aqui, mais genérica.

Pergunta:

Em que contextos a palavra trás é um advérbio ou uma preposição?

Resposta:

Trás é, de facto, uma preposição quando indica «posterioridade no espaço ou no tempo para lá de um ponto de referência» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa), sendo aqui sinónimo de após ou «atrás de», mas é uma preposição em desuso. Exemplo deste uso seria «trás um filho, veio outro».

O que acontece, depois, é que esta preposição forma diferentes locuções quando associadas a diferentes preposições, e aqui sim, podemos ter locuções adverbiais:

1. «de trás» – da parte posterior ou traseira – exemplo: «eu viajava na carruagem de trás».

2. «para trás» – para o lado posterior ou traseiro; em direção ao lado posterior ou traseiro – exemplo: «não olhes para trás!».

3. «para trás de» – para o lado posterior ou traseiro de alguma pessoa ou coisa – exemplo: «eu olhei para trás de soslaio».

4. «por trás» – no lugar posterior ou traseiro – exemplo: «conto-te este segredo sem nenhuma intenção por trás».

Também podemos ter locuções prepositivas quando temos:

5. «de trás de» – da parte posterior ou traseira de alguma pessoa ou coisa – exemplo: «sentado atrás de mim estava o João».

6. «por trás de» – na parte posterior o...