Em Portugal, em 4 de janeiro de 2024, o líder do Partido Social Democrata (PSD), Luís Montenegro, comentando a questão à volta da compra de acções dos CTT pela Parpública, classificava o caso como uma "bandalheira”. Já anteriormente, o mesmo dirigente político tinha feito uso de linguagem de sabor popular, quando declarou que o Orçamento de Estado era, na sua ótica, «pipi […] e muito betinho».
Torna-se evidente que, no cenário existente em Portugal, de convocação de eleições gerais antecipadas em 10 de março, todos os líderes partidários que estão na disputa para ganhar a maioria parlamentar e exercer o cargo de primeiro-ministro aspirem a destacar-se perante os eleitores e a ganhar a preferência destes. Nesta busca pela visibilidade e apoio, é comum adotarem certas estratégias de comunicação, entre as quais se conta o recurso deliberado ao tom e linguagem populares, estratégia não isenta de perigos e equívocos.
No caso de Montenegro, o termo depreciativo bandalheira surgiu em declarações aos jornalistas à saída de um encontro de cerca de uma hora com o reitor da Universidade do Minho, em Braga. Aceitando que deve existir algum comedimento no tipo de léxico utilizado em declarações pública, então, bandalheira, vocábulo coloquial e emotivo, pode ter exorbitado a desaprovação (justa ou injusta) que Montenegro pretendia manifestar. Com efeito, é palavra definida pelo Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa como «atitude ou conduta que revela falta de dignidade, que é desprezível, própria de bandalho; situação desregrada, desordenada, envilecida». Por outras palavras, mesmo que Montenegro não quisesse chegar a tanto, a verdade é que nas suas declarações pode inferir-se que o referido caso dos CTT é resultado da ação de um ou mais bandalhos – e com bandalho já nos encontramos no domínio das expressões pejorativas e dos insultos...
Além disso, é relevante analisar a formação do termo bandalheira. Este é composto pelo radical do substantivo bandalho e pelo sufixo -eira: bandalh- + -eira → bandalheira. Esta associação reflete intrinsecamente a relação entre um cenário desregrado ou envilecido e a pessoa desprezível que denota a palavra bandalho (ver Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa).
Saliente-se também que bandalheira tem, em língua portuguesa, larga tradição, mesmo no discurso de teor político. A sua conotação negativa tem persistido ao longo do tempo, e já ocorre em registos oitocentistas, conforme o Corpus da Língua Portuguesa de Mark Davies, evidencia. Por exemplo, em obras do escrito brasileiro França Júnior (1838-1890) – «E o senhor, que também foi cúmplice em toda essa bandalheira, acha que deve ficar impune uma tal afronta?!» (Direito por Linhas Tortas, 1871) –, mas, ao que parece, para evocar ambientes sociais. Mas o acinte socialmente crítico é bem notório na escrita do português Fialho de Almeida:
«Para a diagnose do carácter colectivo, o moralista escusa pois de perscrutar os hábitos dos homens. Tem no [cemitério do]s Prazeres o tombo da bandalheira nacional» (Os Gatos, n.º 6)
A recolha de exemplos históricos reforça a ideia de que a carga depreciativa de bandalheira é uma constante, indicando a continuidade de uma perceção geral negativa dos comportamentos ou situações.