Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostava de saber a legitimidade/origem do termo "cardência", quando me refiro a um móvel antigo com espelho pois, apesar de encontrar referências na Internet, não encontro o termo dicionarizado (pelo menos no Priberam).

Obrigado!

Resposta:

A forma correta é credência, e não "cardência".

De facto, se pesquisarmos na Internet por cardência, percebemos que se trata de um móvel que pode ou não ter espelho e gavetas, e diríamos que se assemelha a uma consola ou aparador. Contudo, os dicionários não atestam este substantivo.

Aquilo que se encontra é credência, que provém do italiano credenza (século XVIII), e denota vários tipos de móvel: na liturgia, uma «pequena mesa junto ao altar, onde se colocam as galhetas, o cálice, o missal, às vezes paramentos, acessórios necessários à missa e demais ofícios religiosos», uma «mesa em que se recebiam as ofertas dos fiéis, nas basílicas antigas», um «nicho de pedra ou madeira, com mesa para escrever, nos corredores de alguns conventos»; além disso, um «aparador ou mesa onde se provavam os pratos preparados para o rei ou para outros dignitários da corte, a fim de verificar se não continham veneno»; uma «espécie de armário onde se depositavam iguarias, vidros, objetos que deviam servir à mesa do rei»; e, por extensão de sentido, de um «aparador ou mesa em sala de jantar e onde se põem objetos que se devem utilizar durante a refeição; bufete» (Dicionário Houaiss). 

Portanto, apesar de haver quem chame "cardência" a este móvel, esta forma constitui uma deturpação de credência, denominação correta e atestada tanto em português de Portugal como em português do Brasil. 

Pergunta:

As gírias massa e fofo são sinônimas equivalentes?

Caso não, quais as diferenças exatamente?

Tipo assim: «Ah, mas ele é muito fofo!», e: «Ah, mas ele é muito massa!» (não como ofensas... mas como elogios!).

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Perceba-se, primeiro, o significado destes adjetivos nos contextos apresentados. 

Por um lado, massa é regionalismo de uso informal, do nordeste do Brasil, usado com o sentido de (i) «que atrai (diz-se de pessoa)» (Dicionário Houaiss), ou tratar-se de um regionalismo, também de uso informal, da zona de Minas Gerais, Bahia, usado com o sentido de (ii) «muito bom ou especial; bacana, excelente» (ibidem). Assim, «Ah, mas ele é muito massa!» pode ter duas leituras:

(1) «Ah, mas ele é muito atraente»;

(2) «Ah, mas ele é muito bom/bacana/especial».

Por outro lado, fofo pode ser entendido como: (i) «cheio de presunção e arrogância; convencido, jactancioso» (em sentido figurado); (ii) «muito vaidoso; cheio de si; ancho, concho» (uso informal); (iii) «que encanta pela aparência bela e graciosa» (dicionário Michaelis); ou (iv) «amoroso, adorável» (Infopédia). Assim, «Ah, mas ele é muito fofo!» pode ter as seguintes leituras:

(3) «Ah, mas ele é muito convencido!»;

(4) «Ah, mas ele é muito vaidoso!»;

(5) «Ah, mas ele é muito bonito!»;

(6) «Ah, mas ele é muito amoroso!».

Ora, olhando para as aceções (i) de massa e (iii) de fofo, percebemos que os adjetivos podem ser sinónimos. É a mensagem que se pretende transmitir que dita esta sinonímia.

Note-se que fofo, no sentido (iv), tem registo em Os Maias de

<i>Mortágua</i> com <i>o</i> aberto ou [u]?
A pronúncia em discussão

Como se pronuncia o apelido da líder do Bloco de Esquerda: M[ó]rtágua ou M[u]rtágua? A consultora Sara Mourato reflete acerca das circunstâncias em que se pode ou não "abrir" a vogal átona o. 

Pergunta:

Pode-se antepor o adjetivo "livre" ao substantivo – "livre amor", por exemplo? E o que significa essa anteposição para o substantivo?

Resposta:

Com o significado de «teoria que advoga a livre união entre duas pessoas e que recusa o casamento como institucionalização dessa união» (Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), a expressão é «amor livre», como se atesta na fonte consultada1, com o adjetivo livre colocado após o substantivo amor

Contudo, é importante refletir acerca da posição dos adjetivos: pré-nominal ou pós-nominal.

Em português, apesar de preponderar a ordem direta dos elementos – substantivo + adjetivo –, a anteposição do adjetivo é aceite, em especial aqueles em que a componente subjetiva e avaliativa é mais forte. Assim, são permitidas expressões como «amor livre» e «livre amor».

De acordo com Cunha e Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 341) a sequência substantivo + adjetivo confere ao adjetivo um valor mais objetivo, enquanto a sequência adjetivo + substantivo lhe atribui uma conotação mais subjetiva2, como referido anteriormente, estando, aqui, mais presente nas formas afetivas da linguagem.

Para efeitos de análise, tomemos como exemplo as seguintes frases:

(1) «Na poesia moderna, o autor explorou o tema do livre amor, destacando a liberdade e a expressão emocional sem limitações nas relações humanas.»

(2) «Na poesia moderna, o autor explorou o tema do amor livre, destacando a liberdade e a expr...

Pergunta:

Qual é a forma correta "chá-verde" ou "chá verde"?

Resposta:

A forma que encontramos dicionarizada é chá verde, sem recurso a hífen. 

A questão talvez se levante por se tratar de um nome + adjetivo. Compostos semelhantes, em algumas situações, fixaram-se na língua com o uso de hífen, como são os caso de diretor-geral, diretor-adjuntodiretor-desportivo, editor-executivoetc.  No entanto, nem o Acordo Ortográfico em vigor nem os seus precedentes definem claras regras para estes casos, o que fragiliza o consenso à volta da questão.

Contudo, nesta expressão em concreto, seguimos aquilo que está estabelecido pela prática e que está consagrado no dicionário há muito tempo, que é a grafia sem hífen. O mesmo acontece com chá preto, que se grafa sem hífen. 

Cf.«Tea» vem de «Transporte de Ervas Aromáticas»?